quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sexo-jornalismo: a primeira a gente não esquece


Foi a minha primeira vez. No jornalismo, que fique claro. Sem nada pra fazer, achei essa matéria, publicada em 2002 na Revista Crocodilo _ com certeza a mais trabalhosa que já fiz. Por mais doido que pareça, é tudo, tudo verdade.

*Zona vertical
São Paulo, 10 milhões de habitantes, a segunda maior população da América Latina, só perdendo para a Cidade do México. Detalhe: mais da metade desse povo todo é mulher.
Teoricamente, os homens casados deveriam estar felizes, cada um com a sua. E os solteiros, esses estariam seguros de que não faltaria mulher no mercado. Mas nem tudo é tão simples assim. Desde que o mundo é mundo, o sexo pago é um negócio rentável.
E como em toda metrópole, São Paulo oferece uma gama enorme opções quando se fala de prostituição. Na zona nobre da cidade, o sujeito que quiser “tirar a barriga da miséria” com beldades que parecem ter saído direto da passarela para a cama (redonda, é opcional) pode ter de desembolsar entre 300 e 1000 reais. Mas a putaria é democrática.
No centro de São Paulo, mais precisamente perto da famosa Estação da Luz, fica o “meia-nove”. Bem localizado na região conhecida como “boca do lixo”, o prédio discreto abriga uma das maiores “zonas verticais” da city – uma espécie de Galeria Pagé do sexo.
São 9 andares povoados de centenas de garotas para você escolher. Ou ser escolhido, porque elas agarram e não largam mais (este repórter que o diga). Munido de um vale alimentação de R$8 e muito amor para dar, eu conheceria o carinho e o ódio das moradoras do número 69 da rua Andradas, quase de esquina com a av. Cásper Líbero.

“É hoje!”
Sexta-feira, 18 horas. Estou na pequena fila que se forma em frente ao prédio. Homens de todas as idades esfregam as mãos, ansiosos. Afinal, este é o desfecho para mais uma semana de trabalho duro.
“É hoje”, exclama um rapaz moreno, que aparentava uns trinta anos. Ele me conta que freqüenta o “meia-nove” há cinco anos. Há três, se mantém fiel a uma das garotas. “Ela é meu escape”, confessa.
Logo na portaria, deixo a mochila no guarda-volumes (R$1). Só se sobe com essencial, no caso, a carteira. “Para evitar alguma tragédia”, explica de trás do balcão um negro alto, cheio de jóias no pescoço, enquanto checa meus documentos para se certificar que sou “de maior”.
Um cara de meia-idade, que acaba de voltar de sua empreitada pelo prédio, reclama das meninas do nono andar. “Isso é selvageria! Olha o que elas fizeram com a minha roupa”, diz, mostrando a camisa rasgada no colarinho e o pescoço arranhado.
No elevador, ninguém aperta o número 9, não sei por quê. Eu, por precaução, também fico no oitavo. A porta se abre. Daqui pra frente, não tem mais volta.
“Vem cá, gostosão, vamos foder bem gostoso”, convida uma dezena de garotas. Todas, seminuas, me agarram pelo braço, enquanto eu tento fugir, um tanto assustado com o assédio repentino.
“Ah! Esse gosta de uma rola bem grande”, grita uma delas, apontando pra mim, que já conseguia descer a escada estreita, mal iluminada e lotada de mulheres.

A concorrência
Não há luzes néon nem música ambiente, só mulheres de todos os naipes. Gordas e magras, coroas e garotas que acabaram de sair da adolescência, todas quase saindo no tapa para ganhar a clientela. Algumas xingam, outras agarram. Mas o principal argumento das moçoilas para conseguir um programa é botar defeito nas mulheres dos outros andares.
“Nem adianta descer, este é o melhor andar”, me disse uma delas, que, pela cara, já beirava os 40 anos. Já no quinto, algumas fizeram questão de mostrar como o chão era limpo e insistiam: “Daqui para baixo, é só puta porca. Por isso que elas não gostam da gente.”

“Dez minutos ou uma gozada”
Continuo descendo. No quarto andar, não cabe mais ninguém. Uma mulher de quase um metro e oitenta, vestida com cinta-liga, me puxa pelo pescoço e diz: “Agora cê vai ver o que é bom”, enquanto me arrasta para um dos cubículos, separados um dos outros somente por biombos que mal chegavam até o teto. Na parede, um pôster da Kelly Key com uma camisinha na boca diz: “Mostre que você sabe o que quer”. Em cima do pequeno criado mudo, pelo menos umas trinta camisinhas daquelas da prefeitura.
Ela diz que pra mim vai fazer só R$10. Engraçado, já tinha ouvido isso dezenas de vezes naquela noite. Tentando escapar da investida, já meio arrependido de estar ali, eu aviso que só tenho um ticket de R$8 no meu bolso. “Não faz mal, não, gatinho. Eu gostei de você”, responde, me jogando com tudo na cama pequena, de solteiro. E pergunta: “Você prefere ‘por baixo’ ou ‘de quatro’?” Mal tive tempo de responder e ela já colocava a camisinha em mim, enquanto explicava:”O sistema aqui é o seguinte: dez minutos ou uma gozada”.
Saí de lá suado e quase derrubei o biombo que separava o cubículo em que eu estava do quarto ao lado. Algumas mulheres ainda tentaram me agarrar na saída, mas quando eu chegava mais perto percebiam que daquele bolso não sairia mais nada. “Ihhh...esse aí já era”, diziam algumas.
Outras, porém, ainda insistiam quando eu explicava que já tinha feito o que tinha de fazer por ali.
“Eu trabalho aqui das 8 da manhã até 9 da noite e quando chego em casa ainda dou umazinha com o meu marido e você não agüenta dar duas na mesma noite”, me esculhambou uma mulata, vestida só de calcinha. Então, respondi que não queria nada com mulher casada. Ela apagou o cigarro, nervosa, e me mandou praquele lugar. Calma, pensei, poderia ser pior, eu poderia ser o marido dela.
Quando finalmente consigo chegar ao térreo já eram 19 horas. Uma multidão de homens continuava a entrar. O “meia-nove” fervia, como sempre.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Estrangeiro

O estrangeiro é aquele que passa pela rua e observa todos os demais levando os livros das histórias de suas vidas debaixo do braço. Sentadas nos cafés e fumando seus cigarros, andando apressadas a caminho do trabalho, simplesmente passeando sem destino ou coçando o nariz, as pessoas abrem seus livros, contam suas histórias para si próprias e para os outros, mesmo sem necessidade, já que os ouvintes conhecem a ladainha de cor. O forasteiro também carrega seu livro. Mas não adianta: chega a passar vexame quando faz menção de abri-lo e ninguém vê o volume encadernado caprichosamente em couro, que encerra tantas aventuras que quase chegam a pular das páginas para o mundo. Aos olhos nativos, é como se ele tivesse acabado de nascer, ali mesmo, já no auge da maturidade, sem um pingo de passado. O próprio estrangeiro passa a não querer carregar mais aquele calhamaço que lhe parece cada vez mais pesado e inútil. Uma noite, com saudade da familiaridade, abre o volume e percebe que o texto ali escrito está em um idioma totalmente desconhecido para ele. Aquela intraduzível história é, no entanto, tudo que ele tem.

domingo, 5 de julho de 2009

O homenzinho que vive na minha cabeça

Às vezes, me dou conta do homenzinho que vive na minha cabeça. Um workaholic, esse homenzinho. Enquanto eu durmo, ele trabalha. Quando estou distraído, ele está atento. Cientificamente falando, uma mistura de subconsciente, sonho, reflexo e mágica formam o corpo desse sujeito que, por ter nascido na minha cabeça, é de certa maneira irmão dos meus neurônios.
A primeira vez que percebi a existência dele foi durante um jogo de sinuca, esporte nobilíssimo no qual sou um zero a esquerda, apesar das minhas pretenções malandrísticas. Vez por outra, entre tacadas ridículas que arremassam bolas da mesa, ele aparece. É como se por um momento eu estivesse fora e ele assumisse o controle. Pá, pá, pá, três bolas seguidas na caçapa. Detalhe: pelo menos duas eram impossíveis.
Como ele trabalha com qualidade, não quantidade, geralmente acabo perdendo mesmo essas partidas em que ele dá as caras, por total incompetência de fazer desaparecer as bolas que restam.
Aos poucos, fui percebendo que ele é muito mais que um mero jogador de sinuca. Já salvou minha vida algumas vezes, desviando-me de balas de revólver e de ônibus em alta velocidade. Até, certa feita, dando-me força sobrehumana para acertar um direto no queixo de um grandalhão que me estraçalharia com um suspiro.
Vaidoso, ele assume, vez por outra, a tarefa de conquistar mulheres (claro que hoje em dia, por conta do meu estado de seríssimo comprometimento, não lhe dou mais essas liberdades!). Mas, voltando ao assunto, ele, com seu papo mole, várias vezes me viu imerso em minha timidez e assumiu o controle da situação com maestria, gerando consequências que não é de bom tom espalhar.
Fico pensando se foi ele que bateu aquela falta no ângulo, um petardo de direita, meu ponto fraco no esporte ludopédico. Mas, não, isso não importa. O que tem, de fato, importância é que o tal homenzinho guarda no bolso do seu terno um pozinho que faz o impossível parecer piada. Fico imaginando o problemão que vai dar a hora que me fizer sair voando por aí.
Ser pretensioso esse homenzinho que resolveu ser escritor e escrever um texto cheio de elogios a si próprio. Pois é, quem escreve aqui, na maioria das vezes, é ele. Eu fico com o arroz feijão das matérias de jornal. Fulano de Tal, como eu o chamo por falta de nome melhor, prefere investir na literatura, o terreno do impossível.
Um dia, ele ameaça, chega pra ficar e não me deixa mais dar um pio na minha vida. Não acredito. O que me dá esse sossego é saber que ele enjoa rápido de tudo, como aconteceu com esse texto, que abandonou perto do fim. Sujeitinho cheio de gostos e desgostos que é, sempre me deixa seguir em frente, por mais desajeitados que lhe pareçam meus passos.