segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Nota sobre as viagens

As viagens podem ter portos de saída e de chegada, mas nunca têm fim: continuam acontecendo dentro da gente, com detalhes realçados e outros omitidos; cheiros, sabores, cores, mutilados ou esticados em nas nossas ilhas de edição.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A volta

Menos de dois dias para voltar ao Brasil. Seis meses na Europa que me deram histórias para contar durante o resto da minha vida.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Lisboa que encontrei

Lisboa foi diferente de todas as outras. Em vez de viajar para fora, a cada passo que dava pelas ruas estreitas da cidade eu ia mais longe dentro de mim. Era o meu rosto, o do meu pai, dos meus tios que eu via vendendo pastéis de nata no bairro da Alfama. Nunca conheci nenhum dos meus dois avôs, mas mesmo assim os vi sentados nos bancos da Praça da Figueira ou andando solitários pelo Chiado, apoiados em mais nada senão o cabo de seus guarda-chuvas. O silêncio duro das velhas nas janelas era o som que sempre ouvi sussurrar, sem que eu soubesse de onde vinha.

Estavam lá também outros conhecidos, a malandragem no troco mal dado, a arquitetura do puxadinho nos cortiços, a demora do ônibus. Ali tudo me pareceu como aquelas questões de família que aprendemos a tolerar pelo bem da convivência. Afinal, também saem de Lisboa as ruas que me encantaram no Centro de São Paulo, nas ladeiras de Olinda, no Recife antigo, na cidade imaginária que fundei com todas elas. Percorrendo todos esses caminhos este corpo preguiçoso, um eterno inimigo dos terrenos acidentados, reconciliou-se com as subidas porque, sem elas, não há os mirantes e, sem eles, os mirantes, arranca-se um pedaço do pôr-do-sol.

A toda hora, ofegante, enquanto vagava por ali ou sentava-me para ler o jornal que alguém abandonara, assaltava-me a sensação de retorno, aquela que os espíritas botam na conta das reminiscências das vidas passadas. Eu não acredito em vidas passadas, mas na eternidade que transcorre infinitamente no agora, repetindo-se inevitavelmente, e é por isso que me ocorreu que nunca havia saído de Lisboa, ela sempre esteve lá, cravada dentro de mim, com seus azulejos quebrados, com o musgo subindo-lhe as paredes, coagida pelo Tejo a permanecer pequena, mesmo com tanta grandeza dentro de si.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Rios

A corrente levou-me pelas águas do Tâmisa, Sena, Tibre, Danúbio, Spree, Vltava e canais de venezianos. Se não cair em nenhum afluente, sigo para o Tejo, de onde desaguo no mar rumo ao Tietê e ao Capibaribe. Não importa onde eu acabe, tenho certeza de que a confluência de todos esses rios dentro de mim continuará a irrigar-me a alma.

Dedos

A faca enorme corta o polegar esquerdo do açougueiro como se fosse manteiga. Nenhum grito, nada, apenas o som seco da pancada do facão contra a tábua de carne. Zaaaap! O polegar é afastado da tábua com a faca, para abrir espaço para o indicador. A mesma perícia, a mesma frieza, como faria ao separar a coxa da sobrecoxa do frango. Zaaaap! Os dedos foram acumulando-se no cantinho da enorme tábua de carne. Agora só lhe resta o mindinho e ele parece hesitar, pensando em alguma coisa, arrependera-se do gesto louco que cometera? Olha para mim subitamente, dá um sorriso largo e diz: “Ei, se você não se importa, depois desse aqui vou precisar de ajuda.”

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Perspectiva do pretérito

eu sou o que eu vi
história-ficção-pessoal
corpo presente vivendo passado
só por medo de olhar pra trás
lá nos confins do futuro longínquo






e não ver nada