segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Silêncio

Não basta eu abrir a porta e ir embora. O céu ainda será moldado por essas janelas, o barulho da chuva continuará a batucar sobre as telhas e alguém respirará esse mesmo ar que eu respiro. Mesmo que esteja longe daqui – não consigo entender por que todos vocês me olham tão assustados quando digo essas coisas – mesmo que eu esteja a um zilhão de quilômetros daqui, o estrago estará feito. As raízes espreguiçaram-se por terrenos pantanosos, espalharam-se por tudo, que já não é possível plantar um pé de feijão que seja no meu peito. O pomar continua dando frutos, que caem e apodrecem gerando mais árvores e mais frutos, e o cheiro torna-se cada vez mais insuportável, e não há nada, não, nada, que possa ser feito a essa altura, quando tudo não para mais de apodrecer, mesmo o que ainda está para nascer. Não, não basta que eu feche os olhos, tape os ouvidos, prenda a respiração. Sei que vocês me olham muito incomodado por dizer tudo isso assim, no meio de seja lá o que for de mais importante que vocês tenham a fazer, posso ver os dedos de vocês coçando para carimbar, grampear, rubricar, adivinho a música das teclas dos telefones, o deslizar das cadeiras pelo piso frio, as dobradiças enferrujadas reclamando, suas mentes repetindo: inconveniente, inconveniente, inconveniente, mas, para ser sincero, essa impaciência toda me entretém. Sei que sou só um nesse caminho, não importa que tenha inventado a lava, a água, o enxofre. Não importa que tenha visto vocês pequenos, rindo feito maçãs e abutres, comendo feito esterco e baratas, crescendo feito nuvens e orvalho. Não importa que vocês não fossem nada, sei que agora vocês olham e pensam, julgam, acima de tudo, julgam, sentados, andando para um lado e para o outro, rezando aqui e ali, implorando nesse canto e naquele. A verdade é que não basta mais que eu vá embora, nem para mim nem para vocês. Não basta que esqueça esse planeta cada vez menos azul nesse canto do mundo, que transforme tudo isso em poeira no meu pensamento. Tem que acabar. Enquanto tudo isso continuar existindo, corroendo-me, mesmo que confortavelmente num sótão qualquer, eu mesmo existirei pela metade. Para que eu tenha sossego novamente – e não pensem que me comovo com seus choros e pragas, arrependimento, abraços, lágrimas, apelos, promessas – para que, bem, para que, é preciso que eu ponha um ponto final em tudo, não uma vírgula, um ponto final para que só sobre minha paz e o silêncio.