segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O homem e seu sonho

Deus dá o poder de sonhar o infinito. Junto com ele, uma pá e uma cova já cavada para enterrar o sonho. Se o homem tiver preguiça de carregar o pesado sonho até o buraco e jogar a terra já afofada sobre ele, num estalar de dedos, faz aparecer um coveiro bem disposto a fazer tudo sozinho. O homem só precisa esperar. Se for impaciente, faz aparecer uma cadeira confortável, uma revista e um uísque para matar o tempo. Caso esteja indeciso, lhe dá um amigo para conversar, talvez até o desaconselhar a enterrar o sonho. Se o amigo só servir para deixá-lo mais em dúvida, lhe dá um amor, uma família, um cachorro, um terapeuta e dinheiro comprar o que quiser. A maioria dos homens, espreguiçando-se sobre as delícias da espera, nem nota o trabalho do coveiro que nunca para. Alguns despertam sonolentos, no fim da vida, sentindo-se injustiçados ao presenciar o pomposo funeral do sonho. Outros simplesmente esquecem o que estão enterrando. Há um tipo de homem, porém, que faz o mais difícil: joga o coveiro, o uísque, a revista, a cadeira, o amigo, o amor, a família, o cachorro, o terapeuta e o dinheiro dentro do buraco. Por fim, para eliminar qualquer tentação de mudar de ideia, joga a pá. Agarra punhado por punhado de terra e os despeja sobre a profunda cova. Quando termina, tem as mãos em carne viva, nem um copo d'água para matar a sede ou uma sombra para descansar. É só começo. Está nu e a sós com seu sonho, uma bagagem que só não pesa mais que as dúvidas que esqueceu de enterrar.