quinta-feira, 29 de julho de 2010

Sempre

A ferida nunca para de arder
mesmo quando tudo está OK
Às vezes, parece que ela está lá antes de mim
Nos dias em que minha alma é um céu azul
aquela casquinha nojenta cresce sobre ela
e eu quase esqueço de tudo
Mas as nuvens são tantas
É impossível fugir das nuvens
Então meu peito se enche de sombras
e a chama gelada começa a crepitar

domingo, 11 de julho de 2010

Trecho de livro (recém-iniciado)

Eu chego em casa bêbado e releio Kafka, releio Kafka, releio Kafka. Sinto-me um personagem de Kafka, preso a um jornal cujo apelido é “moedor de carne”, que joga um cadáver de criança todos os dias no meu colo e me obriga a fazer salsichas com com ele. Uma menina, que não serviria para ser personagem de Kafka, cansou daquela merda e pulou do oitavo andar. Dizem que ela trabalhou até umas duas da manhã, numa sexta-feira. Foi uma das últimas a ficar na redação. Comeu pizza com o pessoal e fumou um cigarro. Comentou com alguém que se sentia mais confortável sem sapatos. “Vou tirar os sapatos, vou ficar descalça só um pouquinho que não agüento mais usar sapatos.” Quando ninguém estava olhando, ela pulou. Caiu em cima de um táxi. Por pouco não matou o taxista, que estava sentado no capô. Os motoristas do jornal que tavam de bobeira na rua àquela hora disseram que o carro ficou destruído. Uma menina magrinha, bonitinha, que eu dei uns beijos uma vez, numa dessas noites de bebedeira, quase dividiu um carro no meio. Ela era tão magrinha, beijava bem, mas era meio sem graça. Não dava perceber a tempestade que chovia dentro dela. Às vezes, eu olho pelas janelas. Apenas aquela garoa chata dentro de mim. Não o suficiente para rachar outro táxi no meio.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O gosto da lembrança

A gente gasta a sola de sapato do nosso juízo atrás de tantas pistas falsas que raramente nos lembramos do que, de fato, gostamos. Um momento à toa em que esquecemos de acreditar na nossa própria encenação é o suficiente para perceber que são sempre as mesmas coisas que nos fazem felizes.

Lembrei disso agora porque, meio sem perceber, botei Chico Buarque pra ouvir. E se tem alguma coisa que me faz bem nessa vida é ouvir de novo e de novo um montão de músicas de Chico Buarque, que canta na minha cabeça desde que eu era menino e gritava "joga BOSTA na Geni, joga MERDA na Geni", aproveitando-me da oportunidade para gritar palavrão na frente dos pais.

Música do Chico Buarque é, para mim, feito comida de mãe. É aquele tipo de coisa que, quando a gente não encontra nada de bom na vida, sempre vem pra nos contrariar. Sim, tem Chico, comida de mãe e os livros. É, eu que tanto tento escrever, tanto peno pra escrever, tanto desisto de escrever, sou bom de verdade é como leitor. Com um livro na mão, eu esqueço do mundo e descanso de mim mesmo, da voz que fala sem parar dentro da minha cabeça, cheia de exigências e recriminações, vontades, sonhos, lamentos, mentiras. Melhor ainda é quando cai nas mãos aquele livro que a gente não consegue mais parar de ler, nos obrigando a entrar pela madrugada, conscientes do preço de passar o dia seguinte feito um zumbi de tanto sono.

Outra coisa que eu gostava, assim desse jeito, era fazer gol. Depois de muito tempo sem jogar bola, um mês atrás participei de uma pelada. E fiz o meu. Minha participação, em meio à molecada muito mais rápida e em forma que eu, acabou por aí. Resfolegando, pedi para terminar o jogo como goleiro, mas com a altivez do artilheiro que cumpriu seu ofício.

Nessa vida de adulto, às vezes, a gente se pega não gostando de nada. Chegamos a entender aqueles velhos encarquilhados, que acham que já viveram demais, cansados demais para querer qualquer coisa, com preguiça até de coçar o nariz. Outros, porém, contrariando a natureza, vivem um tempão sem um pingo de saúde, só por gostar. Gostar da mulher com quem se está casado há 60 anos, da criação de pintassilgos, do jardim cheio de orquídeas geniosas ou do time de futebol. Gostar de algo, por menor que seja, é gostar da vida. Gosto de lembrar disso de vez em quando.

sábado, 3 de julho de 2010

O silêncio que ninguém nunca ouviu

Com tanta gente dando opinião sobre tudo, de que vale mais uma? Com tanta gente escrevendo sobre tudo, pra que mais palavras? Precisamos de mais silêncio, por mais paradoxal que seja dizer isso.