segunda-feira, 15 de abril de 2013

Gente de bem


Enquanto o elevador desce numa velocidade que lhe faz embrulhar o estômago, ele sorri para você.
– Estamos fazendo o melhor para todos, o mais fácil era ficarmos parados, afinal...
É um sujeito simpático. Naquela mesma manhã, ao vê-lo na chuva, lhe deu uma carona no guarda-chuva dele.
Agora, ele faz uma piadinha sobre estar ficando velho e mostra no celular a foto dos netos, duas crianças lindas. Ambas loiras, de olhos azuis, que não se parecem com ele.
Quando finalmente você chega ao subsolo, ele espera você sair primeiro e lhe dá uma palmadinha nas costas. O sapato dele faz barulho enquanto vocês caminham lado a lado – o seu, com sola de borracha, permanece mudo, assim como você.
– Estou bem otimista, viu? Acho que agora estamos no caminho certo...
Ele diz alguma coisa sobre pesquisas ou estatísticas ou algo que você não consegue entender direito porque vocês dois agora estão bem em frente ao incinerador. Você ouve alguma coisa e se pergunta se era um grito ou alguma espécie de animal.
Ao perceber que você está tremendo, ele faz menção de tirar o casaco dele e colocar nas suas costas. Olha para os punhos por um segundo e aborta o gesto.
Abre a porta e, gentilmente, começa a empurrar-lhe em direção ao fogo. Você não costuma contrariá-lo, mas acaba enrijecendo o corpo instintivamente. Ele, sem perder a delicadeza, empurra você com mais força.
– Mas a gente se fala... Precisando de qualquer coisa, você ouve, antes do estrondo da porta de ferro batendo nas suas costas.