segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Poema de carnaval

Segunda-feira de carnaval Sou um navio fantasma, à deriva Que se choca com embarcações coloridas e barulhentas A marchinha distante e melancólica se perde na névoa intransponível Lalalá, larilalalá Um borrão O barulho da água movendo-se, profunda e escurecida

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A baleia



Quando a baleia encalhou na praia, não havia quase ninguém. Foi chegando como um estrondo, esguichando água para o alto e rangendo como um navio. Era enorme, sua sombra projetou-se sobre a areia e esticou-se pela praia.

Quem se aproximou primeiro do animal foi um moleque. Era um moleque preto de sol, magrelo, que corria sozinho de um lado para o outro e deu de cara com o bicho. Ele se aproximou sem muita coragem, o gigante debatia-se, a cauda fazendo chover sobre sua cabeça. O menino tentava se aproximar e tocá-la, sem nunca cumprir seu intento.

Depois chegou o casal de turistas. Era um sujeito grisalho, de óculos, pinta de intelectual, muito magro, vestindo uma bermuda e uma camisa florida. Parecia um gringo, mas era brasileiro, falava em português com a mulher que o acompanhava. Ela era pelo menos dez anos mais jovem, magra, o cabelo muito liso preso num rabo de cavalo.

O casal vinha caminhando pela praia quando deu de cara com o animal. O menino não estava mais lá, havia saído correndo com pressa minutos antes. Ambos pareciam maravilhados com aquele vulto negro de pele viscosa. O homem pegou o telefono celular e ligou para alguém.

Nesse meio tempo o moleque voltou com dois adultos, ambos munidos de facões. Antes que os dois se aproximassem, o homem grisalho se postou na frente deles, tentava impedir que se aproximassem. Houve uma discussão acalorada.

O moleque observava a discussão de longe, assim como a namorada do homem grisalho. Ambos pareciam amedrontados e intimidados. A baleia gritava, como se fosse um humano com a barriga aberta de uma ponta a outra.

Havia também o pescador calado. Ele observava a discussão e, por vezes, andava de um lado para o outro. Parecia estar com pressa, precisava voltar logo ou tinha vontade de ir ao banheiro. Batia o pé direito no chão.

Os dois homens pareciam perto de chegar a um acordo quando o segundo pescador se aproximou dos dois e enterrou o facão na barriga do homem grisalho. A mulher gritou, mas a voz dela foi encoberta por um gemido agudo dado pela baleia, fazendo a cena parecer a um filme mudo.

O menino observava tudo em silêncio, enquanto o segundo pescador se afastava, ora com pressa ora calmamente. Não olhou para trás.

O primeiro pescador pegou o menino pelo braço e se afastou correndo. A maré estava subindo e as ondas agora encobriam o gemido da baleia, cada vez mais baixo, e os gritos da mulher, cada vez mais altos.

A mulher arrastou o homem, a duras pelas, pela areia. Ela caía, levantava e continuava a arrastar o sujeito. O sangue dele deixava um rastro avermelhado, que aos poucos ia desaparecendo. Ela demorou a desaparecer da praia.

Não havia mais ninguém quando eu me aproximei. O mar havia se acalmado, as águas estavam reluzentes e mais azuis do que nunca. O vento arranhava meu rosto.

Cheguei bem perto da baleia, ela gemia baixinho. Tinha a pele muito brilhante, de um cinza azulado. Era a coisa mais linda que eu havia visto na vida. Então eu coloquei a mão na cintura, peguei minha pistola 380 e mirei bem naquela cabeçona. Olhei por alguns segundos para aqueles olhos tão tristes e pequeninos e apertei o gatilho. Só parei quando as balas acabaram. Foram quinze ou dezesseis tiros.

Não quis mais olhar para o que havia restado da baleia, ela ainda gemia, um som quase imperceptível, mas eu não tinha mais balas.

Virei as costas e ouvi o mar rosnar atrás de mim.