quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Falta
O que me falta é falta do que fazer. Me falta é a falta, fazer o quê? O que falta fazer. O que falta? O quê.
domingo, 15 de novembro de 2009
Olhar da Lua
Petrificados de felicidade, imóveis na rede, ficaram vendo a Lua balançar, esquerda e direita, esquerda e direita, cada vez mais lentamente, até que ela parou bem no meio do céu, e retribuiu o olhar.
sábado, 7 de novembro de 2009
Teatro, adultério e uma arma carregada*
Marcelino engatilhou a arma e colocou na cabeça. Sua vida chegara a um extremo que via só nas peças em que atuava. Tramas marginais, do dramaturgo Plínio Marcos, em que gente era moída pelo mundo e devolvia com o pior que tinha dentro de si. Agora, só lhe restava acabar com tudo, apertar o gatilho. Foi o que fez.
A história que terminou em tragédia começou como história de amor. Numa terra distante, com muitos sonhos e planos. Ele, o ator brasileiro, conhecera ela, a fotógrafa francesa, em Paris. Era 1973. Paralelamente à fotografia, Anne Marie Hellen dava aulas de português e espanhol. Tinha, então, 29 anos. Marcelino era quatro anos mais novo e tentava a sorte no teatro francês. Ia razoavelmente bem, atuava em peças do circuito parisiense e trabalhava também criando trilhas sonoras para os espetáculos.
Brasileiro, artista e negro, Marcelino não era bem o que a família de Anne Marie tinha como um bom partido. Os dois sofriam com a pressão dos parentes da francesa, mas estavam apaixonados e seguraram a barra. Três anos depois, casaram-se.
***
Não duraria muito a felicidade do casal. A fotógrafa parecia ter uma certa predisposição a fazer confidências um tanto perturbadoras ao ator. Ela revelou que costumava fazer sexo com os amigos dele, mesmo depois de casados. Marcelino revidou e confessou que também a traía. Ela foi mais longe: contou que um outro namorado brasileiro, na época em que vivera no Brasil, havia se suicidado porque, assim como Marcelino, não conseguia dar o conforto que ela exigia. As brigas multiplicavam-se.
O relacionamento caminhava para o fim quando decidiram mudar para Nova York, nos Estados Unidos. Era um jeito de se verem longe da pressão da família dela. Sem sucesso. Meses depois da mudança, os pais de Anne Marie desembarcavam na América. Era demais para Marcelino. Voltaria para o Brasil. Ela, para a França.
Não conseguiram ficar muito tempo separados. Logo chegava à casa de Marcelino uma carta de Anne Marie. Ela pedia que o ator voltasse à França, para que pudessem tentar novamente. O pedido foi atendido e, novamente, os familiares da fotógrafa voltariam a atormentar o casal. A solução encontrada pelos dois foi uma nova mudança. Dessa vez, o destino era o Brasil.
Marcelino e Anne Marie viveram por um tempo na casa dos pais do ator. Depois, alugaram um apartamento no Centro de São Paulo. A francesa começava a montar seu estúdio de fotografia. Ele conseguiu um papel na peça Barrela, obra de estréia de Plínio Marcos.
***
A arma que o ator mantinha apontada para a cabeça naquela tarde de domingo era usada na peça. A história era sobre um jovem de classe média que, preso, divide a cela com mais quatro. O rapaz é estuprado por todos e, quando sai da cadeia, resolve se vingar. Mata um por um. O papel de Marcelino era de menor importância, mas seu personagem tinha uma arma, de verdade. As balas ele arrumou com um amigo. Queria dar uns tiros, só para saber como era.
Era outubro de 1980. Marcelino e Anne Marie foram a uma festa na casa dos pais do ator, na Vila Olga, em São Bernardo. Os dois beberam bastante e, novamente, a francesa retornara ao assunto financeiro. Dizia que, pela experiência do marido, ele deveria estar ganhando mais e, conseqüentemente, oferecendo um padrão de vida melhor a ela. O ator tentou acalmá-la, dizendo que as coisas não eram tão fáceis.
Os dois estavam sós no quarto e a briga esquentou. Ela, novamente, confessou mais casos extra-conjugais. Que ele soubesse, aqui, no Brasil, já andava transando com os amigos dele. E o pior, dizia ela, é que, mesmo depois de ouvir todas aquelas verdades, ele não tinha coragem de se suicidar.
Sim, a arma estava na cintura. E ele a usaria. Apontou o revólver para Anne Marie e descarregou o tambor. Sim, ele tinha coragem. Com ela ali, morrendo na frente dele, apontou a arma para a cabeça e atirou. Mas, por falta de balas, ali estava ele, vivo, com um corpo na sua frente, uma arma na sua cabeça.
***
O ator fugiu da cena do crime. Dias depois, se entregou.
* História real, publicada em minha finada coluna Arquivo do Crime, no jornal Diário do Grande ABC, há muito, muito tempo atrás. Postarei outras aqui neste blog
A história que terminou em tragédia começou como história de amor. Numa terra distante, com muitos sonhos e planos. Ele, o ator brasileiro, conhecera ela, a fotógrafa francesa, em Paris. Era 1973. Paralelamente à fotografia, Anne Marie Hellen dava aulas de português e espanhol. Tinha, então, 29 anos. Marcelino era quatro anos mais novo e tentava a sorte no teatro francês. Ia razoavelmente bem, atuava em peças do circuito parisiense e trabalhava também criando trilhas sonoras para os espetáculos.
Brasileiro, artista e negro, Marcelino não era bem o que a família de Anne Marie tinha como um bom partido. Os dois sofriam com a pressão dos parentes da francesa, mas estavam apaixonados e seguraram a barra. Três anos depois, casaram-se.
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Não duraria muito a felicidade do casal. A fotógrafa parecia ter uma certa predisposição a fazer confidências um tanto perturbadoras ao ator. Ela revelou que costumava fazer sexo com os amigos dele, mesmo depois de casados. Marcelino revidou e confessou que também a traía. Ela foi mais longe: contou que um outro namorado brasileiro, na época em que vivera no Brasil, havia se suicidado porque, assim como Marcelino, não conseguia dar o conforto que ela exigia. As brigas multiplicavam-se.
O relacionamento caminhava para o fim quando decidiram mudar para Nova York, nos Estados Unidos. Era um jeito de se verem longe da pressão da família dela. Sem sucesso. Meses depois da mudança, os pais de Anne Marie desembarcavam na América. Era demais para Marcelino. Voltaria para o Brasil. Ela, para a França.
Não conseguiram ficar muito tempo separados. Logo chegava à casa de Marcelino uma carta de Anne Marie. Ela pedia que o ator voltasse à França, para que pudessem tentar novamente. O pedido foi atendido e, novamente, os familiares da fotógrafa voltariam a atormentar o casal. A solução encontrada pelos dois foi uma nova mudança. Dessa vez, o destino era o Brasil.
Marcelino e Anne Marie viveram por um tempo na casa dos pais do ator. Depois, alugaram um apartamento no Centro de São Paulo. A francesa começava a montar seu estúdio de fotografia. Ele conseguiu um papel na peça Barrela, obra de estréia de Plínio Marcos.
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A arma que o ator mantinha apontada para a cabeça naquela tarde de domingo era usada na peça. A história era sobre um jovem de classe média que, preso, divide a cela com mais quatro. O rapaz é estuprado por todos e, quando sai da cadeia, resolve se vingar. Mata um por um. O papel de Marcelino era de menor importância, mas seu personagem tinha uma arma, de verdade. As balas ele arrumou com um amigo. Queria dar uns tiros, só para saber como era.
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Era outubro de 1980. Marcelino e Anne Marie foram a uma festa na casa dos pais do ator, na Vila Olga, em São Bernardo. Os dois beberam bastante e, novamente, a francesa retornara ao assunto financeiro. Dizia que, pela experiência do marido, ele deveria estar ganhando mais e, conseqüentemente, oferecendo um padrão de vida melhor a ela. O ator tentou acalmá-la, dizendo que as coisas não eram tão fáceis.
Os dois estavam sós no quarto e a briga esquentou. Ela, novamente, confessou mais casos extra-conjugais. Que ele soubesse, aqui, no Brasil, já andava transando com os amigos dele. E o pior, dizia ela, é que, mesmo depois de ouvir todas aquelas verdades, ele não tinha coragem de se suicidar.
Sim, a arma estava na cintura. E ele a usaria. Apontou o revólver para Anne Marie e descarregou o tambor. Sim, ele tinha coragem. Com ela ali, morrendo na frente dele, apontou a arma para a cabeça e atirou. Mas, por falta de balas, ali estava ele, vivo, com um corpo na sua frente, uma arma na sua cabeça.
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O ator fugiu da cena do crime. Dias depois, se entregou.
* História real, publicada em minha finada coluna Arquivo do Crime, no jornal Diário do Grande ABC, há muito, muito tempo atrás. Postarei outras aqui neste blog
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