sexta-feira, 9 de julho de 2010

O gosto da lembrança

A gente gasta a sola de sapato do nosso juízo atrás de tantas pistas falsas que raramente nos lembramos do que, de fato, gostamos. Um momento à toa em que esquecemos de acreditar na nossa própria encenação é o suficiente para perceber que são sempre as mesmas coisas que nos fazem felizes.

Lembrei disso agora porque, meio sem perceber, botei Chico Buarque pra ouvir. E se tem alguma coisa que me faz bem nessa vida é ouvir de novo e de novo um montão de músicas de Chico Buarque, que canta na minha cabeça desde que eu era menino e gritava "joga BOSTA na Geni, joga MERDA na Geni", aproveitando-me da oportunidade para gritar palavrão na frente dos pais.

Música do Chico Buarque é, para mim, feito comida de mãe. É aquele tipo de coisa que, quando a gente não encontra nada de bom na vida, sempre vem pra nos contrariar. Sim, tem Chico, comida de mãe e os livros. É, eu que tanto tento escrever, tanto peno pra escrever, tanto desisto de escrever, sou bom de verdade é como leitor. Com um livro na mão, eu esqueço do mundo e descanso de mim mesmo, da voz que fala sem parar dentro da minha cabeça, cheia de exigências e recriminações, vontades, sonhos, lamentos, mentiras. Melhor ainda é quando cai nas mãos aquele livro que a gente não consegue mais parar de ler, nos obrigando a entrar pela madrugada, conscientes do preço de passar o dia seguinte feito um zumbi de tanto sono.

Outra coisa que eu gostava, assim desse jeito, era fazer gol. Depois de muito tempo sem jogar bola, um mês atrás participei de uma pelada. E fiz o meu. Minha participação, em meio à molecada muito mais rápida e em forma que eu, acabou por aí. Resfolegando, pedi para terminar o jogo como goleiro, mas com a altivez do artilheiro que cumpriu seu ofício.

Nessa vida de adulto, às vezes, a gente se pega não gostando de nada. Chegamos a entender aqueles velhos encarquilhados, que acham que já viveram demais, cansados demais para querer qualquer coisa, com preguiça até de coçar o nariz. Outros, porém, contrariando a natureza, vivem um tempão sem um pingo de saúde, só por gostar. Gostar da mulher com quem se está casado há 60 anos, da criação de pintassilgos, do jardim cheio de orquídeas geniosas ou do time de futebol. Gostar de algo, por menor que seja, é gostar da vida. Gosto de lembrar disso de vez em quando.

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