Lisboa foi diferente de todas as outras. Em vez de viajar para fora, a cada passo que dava pelas ruas estreitas da cidade eu ia mais longe dentro de mim. Era o meu rosto, o do meu pai, dos meus tios que eu via vendendo pastéis de nata no bairro da Alfama. Nunca conheci nenhum dos meus dois avôs, mas mesmo assim os vi sentados nos bancos da Praça da Figueira ou andando solitários pelo Chiado, apoiados em mais nada senão o cabo de seus guarda-chuvas. O silêncio duro das velhas nas janelas era o som que sempre ouvi sussurrar, sem que eu soubesse de onde vinha.
Estavam lá também outros conhecidos, a malandragem no troco mal dado, a arquitetura do puxadinho nos cortiços, a demora do ônibus. Ali tudo me pareceu como aquelas questões de família que aprendemos a tolerar pelo bem da convivência. Afinal, também saem de Lisboa as ruas que me encantaram no Centro de São Paulo, nas ladeiras de Olinda, no Recife antigo, na cidade imaginária que fundei com todas elas. Percorrendo todos esses caminhos este corpo preguiçoso, um eterno inimigo dos terrenos acidentados, reconciliou-se com as subidas porque, sem elas, não há os mirantes e, sem eles, os mirantes, arranca-se um pedaço do pôr-do-sol.
A toda hora, ofegante, enquanto vagava por ali ou sentava-me para ler o jornal que alguém abandonara, assaltava-me a sensação de retorno, aquela que os espíritas botam na conta das reminiscências das vidas passadas. Eu não acredito em vidas passadas, mas na eternidade que transcorre infinitamente no agora, repetindo-se inevitavelmente, e é por isso que me ocorreu que nunca havia saído de Lisboa, ela sempre esteve lá, cravada dentro de mim, com seus azulejos quebrados, com o musgo subindo-lhe as paredes, coagida pelo Tejo a permanecer pequena, mesmo com tanta grandeza dentro de si.
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