domingo, 23 de dezembro de 2012
Beliscão
No meio da noite quente, anotações em guardanapos perdidos, rabiscos no cimento molhado e ecos de pensamentos formam uma correnteza garganta acima. Refluxo de vinho ruim que, mesmo após uma golada de água límpida e fresca, ainda resiste na goela. Num espelho imaginário, vejo um rosto de gente do metrô, de gente inanimada, carcomida pelo tempo. Os olhos baços diante da estrela mais brilhante, as pernas bambas de cachorro velho e cansado que não chega no prato de comida sozinho. Só o que me mantém de pé é a fagulha de uma dor distante, uma cicatriz que revolvo desesperadamente com as unhas compridas à procura do sangue quente, como quem tenta, em vão, beliscar a própria alma.
sábado, 10 de novembro de 2012
A nuvem no concreto
Tem dias em que nem o céu azul adianta. Os milagres parecem obrigação, o amor vira só um clichê e mesmo o ar é indigesto dentro do peito. Um filé mignon revirava no meu estômago, no trajeto entre o restaurante em que almoçava todos os dias e o escritório onde trabalhava há 15 anos, quando vi algo diferente.
Era uma nuvem de gente, que flanava desordenadamente à minha frente. Ao chegar mais perto, percebi que se tratava de uma multidão de viciados que nunca havia visto antes. Eram esqueléticos e sujos, lembravam zumbis, mas tinham um desapego que eu, depois de fazer aquele mesmo caminho durante tantos anos como um cavalo adestrado, invejei.
Resolvi passar no meio deles, só para ver. Ali no meio, mesmo perfumado e de roupa social, não me trataram com nenhuma distinção. Ofereciam-me pedra de 2, de 5, de 10 e eu ia desviando de um e de outro. Meio que de brincadeira, tirei dez reais do bolso e dei na mão de um homem de boné vermelho, que segurava uma pequena caixa de som na qual tocava uma música de um ritmo estranho e repetitivo. Não pensava em fumar aquilo, era só uma espécie de flerte, como quando aceleramos o carro demais para depois frear.
Mas fiquei sem reação quando o sujeito colocou o cachimbo na minha boca e o acendeu. Não posso me eximir do que fiz depois porque dessa vez eu não pisei no freio. Acelerei mais. Estava muito quente e queimei os meus lábios. Aspirei fundo e me senti intoxicado. Logo depois, me parecia perfeitamente natural flutuar de gravata por uma rua no centro de São Paulo. Aquela gente tão feliz que me cercava parecia entender tudo que eu pensava. As crianças brincavam comigo como se eu fosse um balão, leve, leve, leve. Pelos meus bolsos escorregavam metas, obrigações, educação, bom senso, fundiam-se numa substancia líquida que escorria na direção de um duto de esgoto.
E o sorriso quase não cabia no meu rosto. Até que ele se desfez e uma espécie de câimbra começou a chacoalhar os meus músculos. Antes que a bolha de sabão que me envolvia estourasse, uma pessoa luminosa ofereceu-me um trago e me dei conta que jamais participara de tamanha irmandade - nem minha família conseguira me acolher assim dessa maneira, como se dezenas de pessoas me abraçassem ao mesmo tempo, sem qualquer cobrança ou olhar de reprovação. Sentei-me na calçada, ao lado de uma senhora numa cadeira de rodas e comecei a brincar com o cachorro dela. Pela primeira vez na vida, não tinha pressa. E finalmente eu era muitos, era ninguém, não era.
terça-feira, 15 de maio de 2012
Pápum
O amor é poderoso, mas afrouxa feito elástico _ a cada vez
que vai, a chance de voltar é menor. O ódio é feito pólvora. Explode, sempre.
Mas geralmente o barulho é maior do que o estrago. Os dois juntos são plutônio. Basta um encontro
para o estrago ser irremediável.
Assinar:
Postagens (Atom)