terça-feira, 20 de agosto de 2013

Divórcio e a reconstrução da realidade


Comecei a ler o romance Divórcio, de Ricardo Lísias, na tarde de domingo. Com alguns intervalos para trabalhar e dormir, só fiz isso até a noite de segunda-feira, quando terminei.

A obsessão do narrador pelo diário da ex-mulher, que encontra por acaso em uma gaveta, contagia o leitor logo nas primeiras páginas. O voyerismo que envolve quem acompanha os registros da ex-mulher e a reação do ex-marido é gradualmente substituído pelo fascínio criado pelo domínio narrativo do autor.

Por meio de constantes repetições dos trechos, típicas de alguém que está remoendo mentalmente um evento traumático, o personagem vai destrinchando a figura superficial da mulher jornalista e um lado obscuro do jornalismo de entretenimento. Tal qual Chico Buarque, em Construção, reordena as frases e recria significados.

"Confesso que, logo que li o diário, tive o enorme impulso de mostrar para todo mundo quem de fato é minha ex-mulher. Vejam que moça mais legal. No entanto, logo depois eu me vi morto. Toda minha energia então ficou voltada para me resgatar do que me parecia ser a antessala de um necrotério. A conclusão é obrigatória: a literatura é agora parte vital não apenas da minha vida simbólica, mas até do meu corpo", escreve a certa altura do romance.

Dessa forma, uma história doméstica acaba se tornando uma experiência metalinguística em que o autor Ricardo Lísias reflete sobre o narrador e o personagem Ricardo Lísias. E é desse excesso de realidade, de eus, que emerge uma poderosa ficção, que, ouso dizer, recria o próprio autor.