sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Semelhanças

A morte lhe parecia um fim louvável. Menos dolorosa do que as amenidades que assolavam o juízo costumeiramente. O calo que doía no pé, o medo de morrer de câncer, a saudade de um tempo que sequer existiu de verdade, os juros dos agiotas que comiam os reais que não tinha, o pressentimento repetitivo de ter deixado o fogo ligado em casa, os pêlos que nasciam no nariz, a barriga que teimava em crescer, o time que perdeu a garra. Não, não aguentava mais aquilo. Sacou a pistola do bolso. Tirou o pente, conferiu: 16 balas. Colocou de volta. O suficiente para acabar com calos, pêlos no nariz, porém, sem poder de fogo contra os juros ou o câncer ou a saudade. Limpou a arma com a camiseta. Pegou o telefone celular. Mensagem recebida: a grana está na mão. Apontou para a cabeça e atirou sem olhar. Um baque seco. O barulho do corpo caído no chão. Pareceria um boneco, não fosse pelo tremor das mãos. Era como assistir a própria agonia. Aqueles olhos castanhos claros iguaizinhos aos seus, mesmo por debaixo da venda, o espreitavam, o julgavam e condenavam. A boca tentava morder o pedaço de fita adesiva que a lacrava. Conversando com o outro mentalmente, dizia, não foi só o dinheiro. Sabia que ele ouviria, sempre ouvira. É a minha liberdade também. Você faria o mesmo que eu se estivesse no meu lugar, sabemos disso. Eu, por minha vez, também te julgaria, assim como você fez comigo, e o condenaria. Afinal, fomos iguais, desde o ventre apertado que dividimos, desconfortavelmente iguais. Mas, agora, ambos estamos livres, irmão, posso dizer sem ódio nenhum, irmão, livres.

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