quarta-feira, 16 de junho de 2010

A magia nas prateleiras

Matéria minha publicada no início do mês no Jornal do Commercio, sobre o cara que escreveu o conto que inspirou o nome deste blog.

» LITERATURA
O mundo fantástico de Rubião
Editora Companhia das Letras reúne em um único volume os 33 contos do escritor mineiro. Sobrenatural é uma das características mais marcantes da obra deste autor de poucas palavras

Artur Rodrigues
Especial para o JC
Pouco mais de 200 páginas. A isso se resume a obra completa do escritor Murilo Rubião (1916-1991), que acaba de ter todos os 33 contos que publicou em vida relançados em volume único pelo selo Companhia de Bolso (da Companhia das Letras). Não se engane pelo tamanho, quando se trata de Rubião, a escassez torna cada uma das páginas mais valiosa. De tanto reescrever, numa incessante ourivesaria, mais justo seria chamá-lo de reescritor. Escreveu muito, aproveitou pouco, publicando sete livros magricelas, tão finos que mesmo juntando todos fica difícil deixá-los de pé na estante. Talvez por conta dessa economia, talvez pela pouca tradição brasileira na literatura fantástica ou por insistir no conto como único meio de expressão, um dos precursores do cultuado realismo mágico viva ondas de reconhecimento e esquecimento, sendo hoje quase desconhecido no Brasil.
Antes mesmo que o principal nome do realismo mágico, Jorge Luís Borges, lançasse seus primeiros volumes de contos, Rubião já tentava publicar seu primeiro livro, O dono do arco-íris, em 1939. Tão estranhas eram as histórias para a época que só em 1947 ele conseguiu achar quem topasse publicar o livro, mas com o nome alterado para O ex-mágico da Taberna Minhota. A história-título narra a melancólica vida de um homem que se torna funcionário público (um jeito de “suicidar-se aos poucos”) na tentativa de acabar com os inconvenientes poderes mágicos. “Um dia dei com os meus cabelos ligeiramente grisalhos, no espelho da Taberna Minhota. A descoberta não me espantou e tampouco me surpreendi ao retirar do bolso o dono do restaurante”, relata o personagem, sobre o momento em que deu conta de que estava vivo.
Essa total falta de surpresa com o sobrenatural é uma das características mais marcantes das criaturas rubianas. Em vez de partir de uma situação comum que vai ganhando contornos extraordinários gradualmente, como faziam então a maioria dos escritores, as narrativas de Rubiãojá começam totalmente imersas em um universo fantástico e opressor. Daí a sensação de se estar lendo algo muito parecido com Franz Kafka em contos como A armadilha, A fila e Os comensais.Rubião admite a semelhança com a obra do autor de O processo, mas garante só ter descoberto o escritor depois de publicar seu terceiro livro.
Entre as inspirações assumidas, está nosso defunto-escritor, Brás Cubas, narrador da primeira e mais importante história fantástica brasileira, escrita por Machado de Assis. Homem de pouca fé, como Brás Cubas e o próprio Machado, Rubião foi buscar na Bíblia a magia para seus contos. Cada uma de suas narrativas tem uma epígrafe bíblica, uma conversa mantida entre o escritor e o mais fantástico livro da história. O Apocalipse, para Rubião, era um “manual de surrealismo”. Já os amigos ilustres, como os escritores mineiros Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino, pouco influenciaram na temática rubiana. Na forma, porém, foram fundamentais. Convenceram um mau poeta a tornar-se um primoroso contista. Um escritor que escrevia mais para si que para os outros, que rasgou dois livros de poesia e ninguém sabe quantos de prosa. Coisa de enredo fantástico, chegou a perder os originais de um livro inédito em um táxi em BH.
A vida de jornalista e funcionário público na capital mineira também pode ser captada nos contos de Rubião. Travestidos de pesadelo, estão lá a burocracia do funcionalismo público, o enlouquecedor ambiente das redações de jornal e o caos da cidade em crescimento. Um mundo onde impera um eterno presente, sem esperança nem chance de fuga da rotina, impregnado de uma desolação que tem um quê de bela e irônica. Rubião, com maestria, subverte a lógica que conhecemos para denunciar quão absurda a realidade é.


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