Para quem nunca havia comprado ricota na vida, pagar nove
reais em uma parecia um absurdo. João pegou uma, outra e outra, apertando-as e
olhando o preço. Todas tinham meio quilo. Surpreendeu-se com uma mulher
adivinhando-lhe o pensamento. Não podia ter um pedaço menor? Em casa, só eu como, disse ela. E ele
concordou sem dizer nada, com o mesmo sorriso constrangido que fazia para todos
os estranhos que resolviam falar com ele em locais públicos.
No caso dele, a ricota fazia parte da receita e ele resolveu
segui-la à risca. Dentro do possível. Era um penne ao molho de espinafre e
ricota, com salmão e manteiga de ervas. No lugar do espinafre, que havia
acabado, comprou algo que lhe pareceu rúcula. E resolveu trocar o penne por um
macarrão em formato de gravata borboleta.
Como os pedaços de salmão disponíveis no mercado eram
grandes demais para duas pessoas, resolveu levar outro peixe. Revirou o congelador
e acabou levando um saco com três filés de Saint Peter. Agora, em vez do prato
da receita, teria macarrão gravata ao molho de espinafre e ricota, acompanhado
por filés de Saint Peter com manteiga de ervas. Também lhe pareceu bom.
Só faltava o vinho. Escolheu um português que, fora da
promoção, custaria pelo menos dez reais a mais. Definitivamente, era um bom
negócio.
Quando passava as
coisas no caixa, que era operado por uma moça sorridente e prestativa, que
parecia nova no emprego, recebeu uma mensagem no celular. Precisava correr para
que estivesse tudo pronto quando ela chegasse em casa.
Distraído pensando em que música colocaria para tocar no
jantar, esqueceu de ir empacotando as coisas enquanto a caixa registrava os
produtos. Despertou do transe ao ver na tela do caixa que as folhas que comprara
eram na verdade agrião. Mais uma modificação na receita. Agora, teria de ser
macarrão com agrião e ricota.
Estava chovendo um pouco quando saiu do mercado. Desceu a
Rua Veridiana numa passada rápida e parou de repente ao ver, no jardim de um condomínio,
pequenas flores roxas que não sabia o nome. Apenas algumas delas, no centro da
mesa, dentro de uma garrafa vazia qualquer, eram o que faltava para tudo ficar
perfeito. Esperou por alguns momentos até que uma idosa, que se locomovia lentamente
com ajuda de uma bengala, virasse as costas. Então, enfiou a mão por entre as
barras do portão e alcançou um punhado de flores.
A ntes que arrancasse a planta do canteiro, viu um clarão e
sentiu um calor percorrendo seu corpo. Os músculos se comprimiram e já não
distinguia bem o que via. Sua mão esquerda apertou-se ainda mais sobre o caule
das plantas, enquanto o resto do corpo estremecia naquela coreografia ditada
pela descarga elétrica.
O vinho espatifou-se no chão. Uma universitaria que voltava da
aula antes da hora quase tropeçou em João. À primeira vista, achou que o líquido
que escorria pela calçada até juntar-se ao esgoto no meio fio era sangue.
Gritou por socorro e logo João estava cercado de curiosos. Dois
moleques só não reviraram as coisas dele em busca de algo de valor porque algumas
mulheres estavam muito próximas, uma delas chorando depois de ver o pequeno buquê
de flores esmigalhado na mão dele. Outra ajoelhou-se para começar a rezar, mas
deu um pulo quando o celular dele começou a tocar uma música alegre. Ninguém
teve coragem de atender.
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