Afrânio pediu um
filé mignon mal passado. Heloísa escolheu o penne de melão com
presunto, uma especialidade da casa.
Os olhos de Afrânio
passeavam pelo restaurante, mesas e paredes eram todas de vidro, e
voltavam para o pedaço de carne sangrento.
Heloísa mexia no
celular, enquanto jogava um pedaço de melão para um lado e para outro no
prato.
Era fim da noite de
segunda-feira, havia apenas mais quatro casais no restaurante, e os
funcionários se concentravam na cozinha.
– Você acha que a
fusão vai dar certo? – ela perguntou, olhando o celular.
Ele continuou
olhando para a comida. Cortou com força a carne, uma gotícula de
sangue respingou na camisa branca dele.
– Vai depender do
puto do Marco fazer a parte dele.
Heloísa ajeitou no
prato um penne, um pedaço de presunto, e levou à boca. Depois, deu
uma garfada no melão.
Nenhum dos dois
percebeu quando os encapuzados cercaram a mesa. Eram oito homens,
todos vestindo roupa preta e coturnos.
– Vai, encosta
ali, vai, vai – um deles puxou Afrânio pela camisa.
– Puta que pariu – Afrânio retrucou.
– É o quê? – o
encapuzado perguntou, empurrando com força.
– Nada, nada –
Afrânio andou até a parede onde estavam todos os outros casais de
costas. Heloísa seguiu ao lado dele, roendo a unha do dedão
esquerdo.
Um dos encapuzados
empurrou o único garçom à vista para a cozinha. Lá, estavam todos
os demais funcionários.
Um dos homens passou
recolhendo os celulares dos casais. Eram doze aparelhos para dez
pessoas.
– Carteira de
motorista – um dos encapuzados ordenou, e foi recolhendo os
documentos de todos.
Afrânio entregou a carteira de habilitação, sem desencostar a cabeça da parede de vidro à sua frente.
Estava entretido com o vapor que saía da boca. Aqueles caras pegariam o dinheiro e sairiam logo. Não conseguia deixar de pensar na transação.
Afrânio entregou a carteira de habilitação, sem desencostar a cabeça da parede de vidro à sua frente.
Estava entretido com o vapor que saía da boca. Aqueles caras pegariam o dinheiro e sairiam logo. Não conseguia deixar de pensar na transação.
Um dos homens voltou
com os documentos do primeiro casal nas mãos.
– Esses aqui tão
limpos – disse para outro encapuzado, que parecia ser o chefe do
grupo.
– Pra cozinha,
vai, vai, antes que eu mude de ideia – falou, empurrando os dois.
Passaram poucos minutos até que o homem voltasse com todos os documentos.
– Esse aqui deu evasão de divisas, encosta ali.
O homem foi colocado num canto.
– A mulher dele não deu nada.
– Não, mas bota
ela lá com ele.
O casal obedeceu sem protestar. Outro homem, um sujeito gordo de camisa polo, virou-se para os criminosos:
– Por que vocês
não pegam o dinheiro e saem fora logo?
– Encosta,
caralho! – um dos sujeitos deu uma coronhada na cabeça do gordo de
polo. O sangue escorreu por todo rosto.
– E esse gordo
aqui ? – o chefe dos encapuzados perguntou.
– Ele não deu
nada, mas a mulher deu improbidade.
– Ela não foi
condenada, tá correndo em primeira instância!
– Cala a boca,
encosta ali com essa puta da tua mulher, vai!
O homem não se mexeu. Abraçou a mulher e olhou o encapuzado nos olhos.
Afrânio olhava para os próprios pés quando ouviu, primeiro, a explosão da arma e, depois, os vidros estilhaçando.
Antes que o homem caísse no chão, os encapuzados deram vários tiros nele e na mulher. Também seguiram em direção ao casal ao outro casal e apertaram o gatilho várias vezes.
Heloísa choravam baixinho, uma poça de urina se formou sob os sapatos dela. Uma mulher ao lado dela dizia: por favor, não me machuquem.
– Fica de boa, vai
pra cozinha, dona – o encapuzado-chefe disse para a mulher.
Ela e o marido obedeceram. Seguiram em passo acelerado.
– Devagar,
devagar.
Eles diminuíram a marcha e entraram na cozinha.
Sobraram apenas Afrânio, Heloísa e os encapuzados. Ele se adiantou e disse:
– Eu tô limpo
também, pode checar aí, não tem nenhum processo contra mim, não
tô devendo nada.
– Senhor –
ordenou o homem.
– Sim, senhor.
Desculpa... Eu tô limpo, pode ver, pelo amor de Deus – disse
Afrânio, há tempos não pronunciava essa palavra: Deus.
O líder olhou para o sujeito que fazia as checagens.
– Nada consta –
disse o homem.
Afrânio respirou
aliviado, Heloísa desmaiou.
– Não, pera aí.
Ele caiu na malha fina.
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