sexta-feira, 9 de abril de 2010

A foto perdida e a briga do século


Não me lembrava de ter posado para essa foto. Não me lembrava sequer de que alguém dessa turma tivesse uma câmera, já que ninguém tinha dinheiro para nada nessa época, muito menos para comprar e revelar filmes. Provavelmente, essa excursão, a um sítio, foi paga por algum candidato vereador, como é comum acontecer em épocas de eleição. De mim, o sujeito não ganhou nenhum voto, porque nem título de eleitor eu tinha na época.

Devia ter 16 anos, por aí. Estou sentado, com a camiseta do São Paulo, magrinho e com mais cabelo que me lembro ter tido. Alguns dos fotografados, todos ilustres moradores de Artur Alvim, na Zona Leste de São Paulo, continuam meus amigos. A grande maioria, porém, eu nunca mais vi. Dois deles não vi por um motivo bastante especial: eles morreram (o sujeito de pé, ao centro, usando boné e camiseta branca, morreu afogado depois de entrar bêbado no mar; e o adolescente também de pé, de camiseta azul, tomou seis tiros alguns anos depois dessa foto).

Esse dia não foi um dia comum. Não foi só um monte de adolescentes jogando futebol, bebendo refrigerante com cachaça vagabunda e procurando, em vão, conhecer alguma menina para depois contar vantagem sobre o que não fizeram. Foi muito mais que isso: esse foi o dia da briga do século. OK, houve brigas maiores, principalmente se incluirmos torcidas organizadas e as guerras mundiais nessa conta, mas foi a maior briga de que me lembro ter participado. (Eu, que nunca fui de brigas, eu, que na categoria individual tenho um cartel de duas lutas, com uma vitória e uma derrota, ressaltando que a vitória se deve principalmente a um tropeço do adversário em uma pedra.)

Alguns dos que estão na foto saíram para dar uma volta, procurando garotas. Sabendo que a ronda seria infrutífera, resolvi continuar a beber, provalemente, a minha pinga com groselha. Pois bem, os que saíram atrás de mulher acabaram encontrando confusão. Voltaram correndo para buscar ajuda e acharam um monte de bêbados prontos para trucidar o primeiro que aparecesse. Ali no meio, com meu cartel insignificante, segui a turba.

Éramos muito mais numerosos que nossos inimigos. Éramos muito mais barulhentos que eles. Éramos muito mais briguentos que eles. Pelo menos, os que estavam comigo eram. Um dos nossos entrou sozinho no ônibus dos caras e foi jogando os inimigos para fora. Outro grandalhão pegava os pobres coitados pelo pescoço e os esganava. Vendo tudo isso, eu me animei. Me achei na obrigação de participar daquele episódio de bravura e idiotice juvenil.
Vi um sujeito correndo e passei a persegui-lo. "Preciso acabar com esse cara em grande estilo", pensei. Resolvi, então, dar uma voadora no sujeito. Lá ia eu, voando, quase um Bruce Lee, um Ryu do Street Fighter, a ponto de acertar um pontapé na cara do inimigo, quando meu rosto se encontra subitamente com um cotovelo no ar. Sim, o sujeito que até então fugia de mim foi mais esperto que eu e deixou o cotovelo bem paradinho enquanto minha cara se aproximava por conta própria. Pode parecer ridículo, mas até hoje só consigo lembrar dessa cena em câmera lenta.
Se aqueles passarinhos que giram em volta da cabeça dos personagens de desenho animado existissem, eu teria visto uma revoada. E quando voltei a mim, a briga já havia acabado e meu nocaute em nada havia de abalar a vitória retumbante dos meus amigos.

Depois disso, assisti a outras tantas brigas, algumas das quais com finais trágicos, com gente baleada, sangue no chão, mães chorando, mas não me meti em nenhuma delas. Pensando bem, talvez o principal culpado pelo meu pacifismo atual tenha sido aquele cotovelo. Aquele cotovelo anônimo me fez ver que nasci para ser testemunha, não protagonista das brigas. Pode ser que isso me renda menos glórias. Pode ser que elimine todas as minhas possibilidades de ser um Aquiles ou um Ulisses, um Hércules ou um Sansão, um Wolverine ou um... Mário Bros. Em compensação, causa muito menos hematomas. Hoje em dia, para mim, isso está mais do que bom.

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