Tenho, sim, a impressão de saber quem fui. Quase milimetricamente, claramente. Mas, feito o cachorro que corre atrás do rabo, sempre chego atrasado a mim mesmo. Quando passo a saber quem sou, já não sou mais essa pessoa.
Às vezes, queria ser ninguém. Ou simplesmente escolho um dos milhares que fui e me apego àquela figura com uma nostalgia melancólica, como se o melhor de mim tivesse dissolvido na matéria da vida. Ou posso querer ser outra pessoa: quantas vezes quis ser outras pessoas, problemáticas e charmosas, famosas ou anônimas, pessoas!
Talvez possa tentar me apegar ao que queria ser, ao que serei. Mas esse exercício revelou-se uma enorme perda de tempo, já que sempre que fui o que queria estive completamente insatisfeito e amarrado por essa situação. Quando não fui, porém, não pude escapar da frustração, esse sentimento que adora tripudiar sobre a gente, aquela voz que ri quando perdemos um pênalti.
Qual é a solução para isso? Obviamente, não será nesse texto que alguém vai encontrar. Talvez quem esteja lendo isso saiba perfeitamente quem é, e por isso zombe da minha falta de autoconhecimento. Talvez sua personalidade seja algo tão palpável que você possa montá-la e desmontá-la feito lego. Comigo as peças encaixáveis derretem-se umas sobre as outras até formar uma massa disforme que sou obrigado a chamar de eu.
Trata-se de um estado labiríntico e kafkiano, cheio de portas que dão umas nas outras infinitamente. Soubesse quem sou, certamente não saberia responder à pergunta seguinte: "O que eu quero?" Li em algum lugar que a vida é uma peça em que o ator entra em palco, gagueja em sua única cena e depois desaparece para sempre. Talvez _ novamente, essa palavra! _ essa seja minha fa,fa,fa, faaaa...