Dá para medir o tamanho da crise econômica na Europa zanzando por Londres, mais especificamente, pelos porões da cidade. Explico, é que aqui, nos hotéis, restaurantes, lojas, quase sempre, há uma entrada e aposentos para empregados que ficam abaixo do nível da rua. Estou me tornando um verdadeiro especialista em circular por esses labirínticos espaços.
Mas onde entra a crise? No fato de que não só brasileiros, indianos, chineses, africanos, tailandeses e outros imigrantes de países em desenvolvimento estão entre meus colegas de trabalho como garçom, para ganhar seis libras por hora. Também há, cada vez mais, europeus. Gente que fez faculdade, mas está desempregada em seus países. Ontem mesmo, trabalhei com um italiano da cidade de Peruja. Na semana passada, com duas espanholas das Ilhas Canárias. Na outra, uma francesa. Será possível saber que a coisa está afundando de vez quando eu começar a encontrar suíços, alemães ou pessoas de Andorra e de Luxemburgo carregando bandejas.
Tomando uma cerveja em Bricklane, uma espécie de rua Augusta daqui, encontrei João, 43 anos, um sujeito inteligente e bom de papo, que parecia estar feliz por falar a própria língua com alguém. Português, ele já trabalhou em construções e em cozinhas no Reino Unido. Cansou de tudo isso, foi morar numa invasão e espera chegar o benefício do governo. Quer viver às custas da rainha, disse o simpático malandro, enquanto tomávamos umas cervejas pra aquecer uma noite que devia estar pelos seus 3, 4 graus.
Durante o papo, ele botou para correr um mendigo que veio pedir um trago, mostrando sua credencial para vender uma revista beneficente, feita para sustentar os homeless. Perguntei para ele se nunca nenhum inglês demonstrou sinais de xenofobia contra ele. Rapidamente, me vi com um pedaço de ferro sobre o meu pescoço, sem ter como me mover. "Nesses casos, eu digo pra eles: 'Ou você me trata como um ser humano ou...'", disse João, com um sorriso no rosto e colocando de volta o pedaço de ferro em sua mochila. Depois de conhecê-lo, passei a ter certeza de que, assim como os sonhos de padaria e a bacalhoada, o jeitinho brasileiro é um produto importado.
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Crônicas londrinas - Operação Elephant and Castle
No último episódio dessas crônicas londrinas, eu me vangloriava da bela localização da minha casa, na Zona Leste da Metrópole, na saudosa Bethnal Green. Cansado de trabalhar feito louco, carregando bandejas para cá e para lá na festas dos ricaços, só para pagar o vultoso aluguel, nosso herói fez feito os pássaros no inverno e voou para o Sul, em busca de um aluguel mais barato. Next stop is... Elephant and Castle.
Eu e meu futuro parceiro de quarto, o jornalista, garçom tarimbado e galã de novela mexicana, Talis Maurício, seguimos para verificar a casa que eu havia encontrado em um site daqui, uma espécie de Primeira Mão sem aquela maçã nem aquela argentina dos comerciais. Não querendo ser indiscreto, mas o caminho entre a estação de metrô e a casa assustou meu companheiro de jornada. Não sei o que alarmou tão bravo homem foi o grasnado de algum corvo, há muito deles por aqui, ou paisagem lúgrube, tomada pelo fog londrino. O apartamento ficava dentro de um condomínio de prédios de aspecto meio tenebroso. Nos perdemos lá dentro e, quando pensávamos em desistir, ouvimos uma voz. Era um vulto, sobre uma espécie de passarela, quem gritava.
— Ei, quem vocês estão procurando?
— Estamos procurando uma casa?
— Quem vocês estão procurando?
— Loyd, o dono da casa.
Subimos as escadas para encontrar um sujeito alto, negro e vestindo um roupão e uma boa quantidade de jóias, tragando demoradamente seu cigarro. Apesar de o cara parecer um gangster, nós seguimos em frente. Junto com duas garotas que apareceram na última hora para ver o mesmo apartamento, fomos levamos para um labiríntico muquifo. A porta se abria direto para uma escada e, diferente do que estamos acostumados no Brasil, havia mais mais dois pavimentos para baixo. Quatro quartos, dois banheiros, chão rangindo, senhorio assustador e aluguel barato. As duas garotas zarparam de lá rapidinho.
Ao sair, apesar de todos os CONTRAS, olhamos ao mesmo tempo um para a cara do outro e dissemos: “Vamos morar aí?” O principal motivo da nossa tresloucada decisão foi que todos os outros três caras que morariam com a gente nasceram falando inglês, o que nos ajudaria muito na prática diária da língua. Fomos rápidos e, no dia seguinte, voltamos para pagar o depósito ao landlord (termo que usam aqui para definir o cara que aluga uma casa para você e é responsável pelos problemas que acontecerem nela, no nosso caso, como veríamos, só o cara que recebe o aluguel). Sim, lá estava ele, Loyd, com o meeeesssmo roupão, um cigarro na boca e fazendo cara de mau. Do meio de um montão de dinheiro que guardava no bolso, tirou um recibo, que nos deu pelas 200 libras de depósito. Com a grana no bolso, limitou-se a responder todos os nossos pedidos com um sorriso sacana no rosto e a frase: “It’s not my business”. O bordão se repetia mesmo quando o pedido era simples, como “você pode nos dar uma chave extra?”. Sim, ele era mau, muito mau.
Aluguel aqui é adiantado e, antes de passar a morar no nosso palácio, tínhamos de pagar o nosso. Um dia, mandei uma mensagem para Loyd marcando um horário para pagá-lo. Minutos depois, ele me liga.
— Você me ligou?
— Loyd, aqui é o Artur, que vai morar na sua casa...
— Casa? Não tenho nenhuma casa e não conheço nenhum Artur.
— Como não? Mas eu te paguei o depósito!
— Depósito?
— É...
— Hahahaha! Eu te assustei, né?
Filho da puta. Sim, quando fui pagá-lo, ele estava vestindo um roupão. Não mais o branco encardido das outras vezes, mas um roxo. Me deu um recibo e, só para me encher o saco, como se eu não existisse, botou o nome do Talis, que não estava presente, no papel. Pensei em quebrar a cara dele, mas mudei de ideia rapidamente, só para evitar a fadiga do combate.
Alguns dias depois, estávamos em nossa nova casa, que se revelou mais acolhedora do que pensávamos. Dividimos o apê com dois universitários, acho que um deles sulafricano, ou os dois, não sei, porque eles passam o dia inteiro ouvindo rap e jogando videogame em seus quartos. O outro morador, um inglês de meia idade, que já morou em metade do mundo trabalhando como gerente de hotéis, se revelou uma companhia bastante agradável, cheia de histórias para contar. Ah, claro. Não posso esquecer delas, as baratas. Não serei injusto a ponto de dizer que elas infestam a casa. Elas têm mesmo uma preferência especial por um cantinho, uma área onde se sentem à vontade: o armário onde guardamos nossas comidas. Mas, como diria o mano Darwin, naquele rap famoso, a Origem das Espécies, só sobrevive quem se adapta ao meio.
Eu e meu futuro parceiro de quarto, o jornalista, garçom tarimbado e galã de novela mexicana, Talis Maurício, seguimos para verificar a casa que eu havia encontrado em um site daqui, uma espécie de Primeira Mão sem aquela maçã nem aquela argentina dos comerciais. Não querendo ser indiscreto, mas o caminho entre a estação de metrô e a casa assustou meu companheiro de jornada. Não sei o que alarmou tão bravo homem foi o grasnado de algum corvo, há muito deles por aqui, ou paisagem lúgrube, tomada pelo fog londrino. O apartamento ficava dentro de um condomínio de prédios de aspecto meio tenebroso. Nos perdemos lá dentro e, quando pensávamos em desistir, ouvimos uma voz. Era um vulto, sobre uma espécie de passarela, quem gritava.
— Ei, quem vocês estão procurando?
— Estamos procurando uma casa?
— Quem vocês estão procurando?
— Loyd, o dono da casa.
Subimos as escadas para encontrar um sujeito alto, negro e vestindo um roupão e uma boa quantidade de jóias, tragando demoradamente seu cigarro. Apesar de o cara parecer um gangster, nós seguimos em frente. Junto com duas garotas que apareceram na última hora para ver o mesmo apartamento, fomos levamos para um labiríntico muquifo. A porta se abria direto para uma escada e, diferente do que estamos acostumados no Brasil, havia mais mais dois pavimentos para baixo. Quatro quartos, dois banheiros, chão rangindo, senhorio assustador e aluguel barato. As duas garotas zarparam de lá rapidinho.
Ao sair, apesar de todos os CONTRAS, olhamos ao mesmo tempo um para a cara do outro e dissemos: “Vamos morar aí?” O principal motivo da nossa tresloucada decisão foi que todos os outros três caras que morariam com a gente nasceram falando inglês, o que nos ajudaria muito na prática diária da língua. Fomos rápidos e, no dia seguinte, voltamos para pagar o depósito ao landlord (termo que usam aqui para definir o cara que aluga uma casa para você e é responsável pelos problemas que acontecerem nela, no nosso caso, como veríamos, só o cara que recebe o aluguel). Sim, lá estava ele, Loyd, com o meeeesssmo roupão, um cigarro na boca e fazendo cara de mau. Do meio de um montão de dinheiro que guardava no bolso, tirou um recibo, que nos deu pelas 200 libras de depósito. Com a grana no bolso, limitou-se a responder todos os nossos pedidos com um sorriso sacana no rosto e a frase: “It’s not my business”. O bordão se repetia mesmo quando o pedido era simples, como “você pode nos dar uma chave extra?”. Sim, ele era mau, muito mau.
Aluguel aqui é adiantado e, antes de passar a morar no nosso palácio, tínhamos de pagar o nosso. Um dia, mandei uma mensagem para Loyd marcando um horário para pagá-lo. Minutos depois, ele me liga.
— Você me ligou?
— Loyd, aqui é o Artur, que vai morar na sua casa...
— Casa? Não tenho nenhuma casa e não conheço nenhum Artur.
— Como não? Mas eu te paguei o depósito!
— Depósito?
— É...
— Hahahaha! Eu te assustei, né?
Filho da puta. Sim, quando fui pagá-lo, ele estava vestindo um roupão. Não mais o branco encardido das outras vezes, mas um roxo. Me deu um recibo e, só para me encher o saco, como se eu não existisse, botou o nome do Talis, que não estava presente, no papel. Pensei em quebrar a cara dele, mas mudei de ideia rapidamente, só para evitar a fadiga do combate.
Alguns dias depois, estávamos em nossa nova casa, que se revelou mais acolhedora do que pensávamos. Dividimos o apê com dois universitários, acho que um deles sulafricano, ou os dois, não sei, porque eles passam o dia inteiro ouvindo rap e jogando videogame em seus quartos. O outro morador, um inglês de meia idade, que já morou em metade do mundo trabalhando como gerente de hotéis, se revelou uma companhia bastante agradável, cheia de histórias para contar. Ah, claro. Não posso esquecer delas, as baratas. Não serei injusto a ponto de dizer que elas infestam a casa. Elas têm mesmo uma preferência especial por um cantinho, uma área onde se sentem à vontade: o armário onde guardamos nossas comidas. Mas, como diria o mano Darwin, naquele rap famoso, a Origem das Espécies, só sobrevive quem se adapta ao meio.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
O caminho da ficção
A vida atravessa o caminho da ficção. A internet atravessa o caminho da ficção. O barulho lá fora atravessa o caminho da ficção. A TV, as notícias, o gerente do banco, as dívidas, a fome, a preguiça, o sono, o sonho, a ambição... O caminho atravessa o caminho da ficção. O labirinto é o caminho da ficção.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Barcelona
As viagens, digo as boas e longas viagens, são sempre carregadas de uma sensação de perda iminente. O olhar não sabe se desfruta ou se se despede daquilo que possivelmente nunca mais voltará a ver. Barcelona, tão brilhante que é, acentua essa característica e me leva do riso às lágrimas em segundos.
Sim, entendo aqueles que colocam faixas nas janelas, protestando contra a multidão de turistas que ronda a cidade todos os dias. Aquilo não me pertence e, se pertencesse, eu faria o mesmo. Ah, mas é impossível não ser íntimo de uma cidade que faz das varandas o varal para suas roupas de baixo e seus gritos de guerra. Andar pelas apertadíssimas vielas do bairro gótico é como ser abraçado por todos esses anos de história e estórias.
Cidade ensolarada quando a Europa começa a congelar, salpicada pela mágica de Gaudí, confeiteiro da arquitetura, que parece usar chantilly e jujubas nas suas construções. A Casa Batlló é o mais comestível de todos os edifícios que já conheci. O arquiteto também era especialista em disfarces... ou sou o único a achar que a Sagrada Família é uma nave espacial disfarçada de igreja?
Essa atmosfera fantástica se espalha pelas ruas. Basta dar uma caminhada nas Ramblas para se surpreender com os artistas que até flutuar flutuam em praça pública; ou passear pelo mercado de Boqueria, onde são vendidas as comidas mais coloridas do mundo. No bairro del Raval, o sonho ainda não acabou na Casa des Pueblos Rebeldes, onde os seguidores dos anarquistas que enfrentaram o ditador Franco ainda continuam a arquitetar planos contra o demônio capitalista.
Difícil é deixar tudo isso depois de alguns poucos dias por lá. Mas não há varinha de condão tão poderosa que mude certas circunstâncias da vida ou que simplesmente faça Barcelona desaparecer. Da Catalúnia e da minha memória.
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