sábado, 20 de fevereiro de 2010

Um folião paulistano no Carnaval de Pernambuco

Começou o ano, finalmente, em Pernambuco. Quem atrasou o início de 2010 em quase três meses foi o Carnaval. Paulistano, eu não tinha ideia do que era isso, Carnaval, aqui, tão importante quanto o Natal. Mais que isso, para não haver dúvidas, o Carnaval é como se fosse o aniversário de todo mundo ao mesmo tempo. Como não cabe todo mundo em uma casa só, todo mundo vai pra rua.

A rua é como se fosse o salão de festas, todo decorado. O bolo, aqui no Recife, é um galo enooorme, no meio da ponte Duarte Coelho, sobre o Rio Capibaribe. Ninguém come o galo, mas não faltam galinhas para quem gosta...

O espírito está por toda parte, por Pernambuco todo. Mas se o Carnaval tivesse um endereço certamente ele seria o Sítio Histórico de Olinda. Sempre me perguntei por que os portugueses resolveram construir uma cidade num lugar tão alto, cheio de ladeiras. Dá trabalho pra ir na padaria, no mercado, imagina voltar para casa bêbado com tanta subida pra subir... Pois é, descobri que Olinda foi criada para o Carnaval. E que ladeira, ao som do frevo e com um latona gelada de cerveja na mão, vira descida. Eu, um notório preguiçoso, subi várias vezes a mais cruel das subidas, a Ladeira da Misericórdia, como se estivesse flutuando.

Seria muito dizer que a gravidade desaparece no Carnaval de Olinda? Não. Tanto que me pendurei em um dragão voador, o mascote do bloco Acho é Pouco, criado por comunistas doidões na época da Ditadura e hoje administrado só pelos doidões mesmo. O bordão do bloco é "Eu acho é pouco! É bom de mais! Eu acho é pouco! É bom demais", cantado na noite de terça-feira, poucas horas antes da tal "quarta-feira ingrata, chega tão depressa, só pra contrariar..."

Pois é, estava esquecendo do melhor: em Olinda, axé music é proibido. Quer dizer, é proibido passar com trio elétrico, o que de qualquer maneira afasta os cantores de axé. O frevo, que todo mundo canta no Carnaval, é uma música muito antiga. Parece que ninguém mais faz frevo e, se faz, ninguém canta antes de a composição fazer 50 anos. É que nem vinho bom...

Ahhh, não tem abadá, aquela camiseta que custa 300 reais na Bahia. Aqui, as pessoas pensam o ano todo nas fantasias que vão fazer. Eu, paulista que deixa tudo para a última hora, não pensei. Peguei uma roupa amarela, umas caixas de Sedex e me fantasiei de Sedex 10, só para não passar vergonha. Mas tem gente com fantasias geniais pela rua. No domingo, sai o bloco Enquanto Isso Na Sala de Justiça, em que todo mundo se veste de super-herói. Tem desde X-Men a gente que inventa outros heróis, como supermercado, superficial, superado...

Tem esses blocos tradicionais, mas tradição não é quesito desclassificatório no Carnaval de rua. Teve um sujeito que foi trocar a porta de casa durante o Carnaval. No trajeto para levar a porta nova, ganhou um montão de seguidores. Virou um bloco, chamado A Porta. Tem orquestra, estandarte e dezenas de adeptos que saem juntos há mais de 10 anos.

No jornal em que trabalho, é proibido usar a palavra irreverência nas matérias sobre o Carnaval, desgastada pelo uso incessante em TODAS as matérias nos anos anteriores. Mas, devo admitir, que é a palavra perfeita para definir esse espírito. No ano que vem tem mais irreverência. Agora, o jeito é se conformar com as festas pós-carnavalescas que ainda restam. Me disseram que uma delas se chama Não Acredito Que Te Beijei.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A prostituta dos sentimentos

Há um mês, eu acordava, escovava os dentes e ia para a cozinha. Abria a garrafa de café, fosse quente ou frio, colocava um pouco no copo americano, jogava uma colher de sopa de açúcar e mexia sem colher mesmo. Acendia um Marlboro Light na sacada e tragava fundo. Uma onda de alívio surgia no meu corpo, geralmente um formigamento agradável, seguido por uma tosse, extremamente desagradável (ãrrãrrããããããã!!!).

Depois disso, eu enchia um copo de leite com nescau e comia um sanduíche de queijo e presunto devidamente derretido e tostado na frigideira até que o pão de forma adquirisse aquela consistência mais rígida e ficasse escurinho no centro. Ao chegar no trabalho, ia até a máquina de café expresso, colocava a moeda e me inebriava com o cheiro do café recém-torrado. Enchia o copo de plástico de açúcar e chacoalhava. Acendia o segundo cigarro do dia. Nas duas horas seguintes, faria isso mais três ou quatro vezes, cada vez com menos prazer. Até a última, pouco antes do almoço, quando começava a sensação de envenenamento.

Desde o começo de fevereiro, tudo mudou. De manhã, acordo e como um prato cheio de frutas (geralmente, manga, mamão e o que mais tiver em casa). Depois, tomo iogurte e, no fim do mês, quando as compras acabam e a grana diminui, leite com granola. Não fumo nem antes nem depois. Não fumo nunca, mesmo. Ao chegar ao trabalho, bebo o mesmo café, mas em outro contexto. Com adoçante. Pouco direi sobre o resto do meu dia, no qual troco o macarrão com rabada do almoço por alface com peixe, para não entediar os leitores imaginários deste blog.

Meu corpo se ressente com a mudança. É como se me tirassem um órgão a cada dia que passa (a essa altura, só deve me sobrar o baço, que descobri ser um órgão recentemente, mas ainda não sei para que serve). Ele, meu corpo, bem sabe que o motivo dos meus sorrisos não era bem o Sol, a praia, a cerveja gelada e os seres bonitos que andam para lá e para cá com roupas mínimas. Meu sorriso era diretamente proporcional a Ela, a Dopamina, o neurotransmissor que poderia ter evitado o holocausto se circulasse pela cabeça daquele pobre bigodudo mal-amado (saiba mais aqui). O neurotransmissor que fez do cigarro, da cerveja, do sexo, do pão, do chocolate, coisas tão prazerosas aos olhos dos nossos geniosos neurônios.

Sem Dopamina, não enxergo o Sol nos ensolarados dias recifenses. Sem Dopamina não há sorrisos nem futuro, não há bom dia, a cerveja não faz mais que a obrigação, as mulheres bonitas apenas compõem a paisagem e o mar é uma poça de água suja. Sem Dopamina, Deus teria muito menos amigos, mesmo que ainda passeasse por aí fazendo milagres.

Pois é, pois é. Às 19h de anteontem, eu, com baterias de fogos de ódio estourando no meu cérebro, daquelas que levam alguém a atropelar velhinhas que atravessam a rua vagarosamente, peguei minha bicicleta e saí por aí. Rodei por alguns quilômetros. Andei pelas nostálgicas paragens do Poço da Panela e Apipucos (digite no Gooogle Images, please). Chacoalhei pelo chão de paralelepípedos. A cada pedalada, lá estava ela, a Dopamina, sendo bombeada para o meu cérebro saudoso-de-nicotina-açúcar-pão-chocolate-purê-de-batata-arroz-gororoba-com-tudo-misturado. Horas depois, quilômetros mais tarde, lá estava eu, satisfeito, sem motivo algum. Ou satisfeito por enxergar em miniatura os mesmos motivos que me faziam chorar. Ou por visualizar de maneira mais nítida as razões que antes eram microscópicas demais para me fazer sorrir.

Isso me leva à seguinte questão: o que pensamos, vivemos, sentimos, o que acontece com a gente, a sorte ou azar têm alguma importância, sem Ela, a Dopamina? Um sujeito que tem tudo na vida, com um déficit Dela, é mais feliz que outro, miserável em saúde, amigos, grana, rico apenas na quantidade de Dopamina circulando pelo cérebro? Se uma substância química (mal e porcamente produzida pelo nosso corpo) é o segredo da felicidade, nossa percepção do mundo é muito mais maleável do que jamais sonhei. Diante dessa (ir)realidade, a felicidade nada mais é que a prostituta dos sentimentos, a mais volúvel das guloseimas.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O Galo

Nada mais importa, o Carnaval aqui no Recife é tudo. Em forma de assovio, os frevos brotam dos lábios distraídos. As conversas, mesmo que comecem sobre assuntos de maior gravidade, espontaneamente acabam em discussões sobre fantasias e blocos de rua.

Dia desses tive a verdadeira dimensão da importância da folia na vida dos pernambucanos. Uma mãe contou que recebeu uma ligação de alguém que dizia que o filho dela estava ameaçava se matar, com a boca de uma garrafa de cerveja quebrada encostada no pescoço.

"A mulher largou dele e ele tava bêbado, dizendo que daquele dia ele não passava. Aí eu disse: 'Você largue esse troço já, seu safado. Ou se mate de uma vez... porque se você morrer sábado, seu corpo vai ficar esperando no IML... que eu vou pro Galo de qualquer jeito! Não vou perder o Galo porque causa de você não, ouviu?"

Pergunta se o cara se matou?