sábado, 15 de agosto de 2009

Leveza

Às vezes, acontece. Não há circunstância externa aparente. Tudo, de repente, curiosamente, fica leve. Você acorda flutuando sobre a cama sem se dar conta de peculiaridade alguma no dia que nasce como todos os outros insistentes dias.
Os sentidos, aguçados, alertam para o que não há sentido. A pasta de dente parece surpreendentemente saborosa, como o café morno, o pão borrachento, o cigarro amargo, a cerveja demais, o filme desnecessário. Até a dor de cabeça crônica torna-se uma cócega levemente dolorida, um coceira gostosa no juízo.
Há quem passe a vida buscando a leveza. Não, não... não se engane, ela é arredia, feito o sono, cheia de curvas. Só vem à custa da mais distraída distração. Ou à base da trapaça farmacêutica tarja rubronegra.
Praticantes de um profundo desapego a agarram nas mãos com tanta força, deixando nóduas tão resolutas, que transformam gás helio em chumbo. Despencam do céu convencidos de que vão aterrissar nas nuvens. Enganadíssimos estão.
Em vidas marcadas a ferro com o signo da responsabilidade e das obrigações, encarceradas na obesidade do cotidiano de um adulto nem mais nem menos, é capaz de transmutar os círculos infernais ou as sonolentas paragens paradisíacas em charmosos recantos do purgatório. O prazer de tirar os sapatos apertados do espírito, sabendo que vai ter de calçá-los no dia seguinte.

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