quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Crônicas londrinas - o garçom e o popstar

Minha carreira de garçom de terceira classe por pouco não se agiganta nesta semana. A noite parecia nada promissora. Dos cinco enviados pela agência para a qual trabalho a um hotel de luxo em Mayfair, três foram escolhidos para trabalhar em um jantar para cerca de 20 paquistaneses bilionários. Entre os que sobraram, obviamente, estava eu. Não que minha tarefa da noite fosse totalmente prescindível, afinal, alguém tem que polir as taças de vinho para que os convidados não sejam escandalizados por uma eventual marca de dedo em seus copos.

Após mais de duas horas com guardanapo e taças na mão, aparece o gerente do hotel correndo. "Follow me, guys, quick", disse. Eu e a moça que estava comigo, da Etiópia, saímos em disparada atrás dele, que continuou passando as instruções. "Surgiu uma função para duas pessoas essa noite. Um dos convidados é bastante famoso. Vocês conhecem George Michael?"

A minha colega de trabalho começou a dar gritinhos nervosos, enquanto eu pensava que estava prestes a entrar para o seleto mundo dos criados de superstars. "Vocês só tem que abrir a porta, oferecer para pegar o casaco dele e servir canapés." E eu me pus a pensar se conseguiria eu fazer algo errado na concretização de tal tarefa e, fato inédito, não encontrei nada.

Claro que comemorei antes da hora. Os amigos de George Michael chegaram e, na hora de abrir a porta, empurrei para o lado errado. Meu gerente, que estava por perto, me corrigiu. "Sempre puxe a porta, não empurre", disse ele, uma das poucas criaturas educadas que conheci no mundo dos feitores de hotéis. Então, depois disso, me postei lá, feito um soldado, esperando o popstar mais conhecido por fazer sexo em lugares públicos e dirigir alcoolizado que por suas músicas.

Estava satisfeito porque, afinal, teria mais uma história para escrever aqui. Talvez, um texto estilo Piauí: "Vestindo um aveludado casaco Calvin Klein, na altura dos joelhos, George Michael chegou ofegante. Numa mistura de sorriso e careta, difíceis de distinguir por conta da barba desenhada, que lhe dá um ar caricatural, o cantor inglês sussurou um obrigado antes de se desfazer do casaco sobre o criado parado ao seu lado". Ou, quem sabe?, algo mais direto, feito Folha de S. Paulo. "O cantor britânico George Michael, 54, chegou ao hotel X, em Mayfair, Zona Central de Londres, por volta das 8h da noite de ontem. O objetivo da visita era se encontrar com produtores do seu novo disco, Nasci de novo depois da cadeia."

Duas horas depois, parado de um lado da porta, enquanto minha colega estava do outro, percebi que não seria aquela noite que daria tal upgrade na minha carreira na indústria dos serviços de hotelaria. Olhávamos entediados um para a cara do outro. O gerente passou apressado e disse: "Ele não vem. Podem voltar a polir os copos lá em cima". Àquela altura, subimos aliviados, cansados da longa espera, especulando sobre onde poderia estar o cantor. Preso? Em algum acidente de trânsito? Fazendo sexo em um banheiro público? Seja o que for, os jornais não noticiaram nada no dia seguinte.

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