segunda-feira, 11 de maio de 2009

Monopólio da alma

Quis parar o avião no céu para ser infinito entre a despedida e o reencontro. Para que as lágrimas de um e a expectativa de outro fossem para sempre. Primeiro, uma dor tão grande que fizesse desmaiar. Depois, uma cicatriz gravada na pele das gerações das gerações. Para que o amor não amarelasse e desbotasse na água turva da realidade. Para que o sofrimento ficasse em carne viva mesmo depois de morto. Os outros cento e tantos passageiros, certamente, não compreenderiam. Gritariam enquanto voavam pelos ares. Chamariam entes queridos e esbravejariam com deus que, mesmo tão perto deles, nada faria. Sabia que não poderia paralisar as turbinas com a força da mente. Se quisesse se aconchegar na inação, teria de agir rápido. Quem sabe seqüestrar o avião? Leva-lo-ia a um furacão bem charmoso, um triângulo das bermudas voador, e sumiria. Fingiria-se de terrorista para se sagrar salvador. A mãe desmaiaria e o pai tentaria permanecer calmo, enquanto buscava as informações que nunca chegariam. A mulher esperaria por muitas horas até saber do misterioso sumiço. Vestiria, então, um luto esperançoso que nunca conseguiria enterrar no armário. Talvez, com uma peça de roupa bastante usada, fizessem um enterro, com o objetivo de sepultá-lo no esquecimento. Isso não adiantaria. Os filhos, ainda pequenos, guardariam em alguma gaveta secreta da inconsciência o endereço do pai, mas não contariam a ninguém. Mais tarde, se tornariam pais e avôs e, então, procurariam em vão aquele oásis perdido no meio do céu. Precisava agir rápido antes que o comandante deslizasse o manche e as aeromoças passassem para conferir os cintos afivelados. Piscou os olhos e o momento havia passado. Também ele esqueceria, já não fazia mais sentido, tinha pressa de levantar para não ter de enfrentar o congestionamento de malas e homens, queria pisar no chão de novo. Conformou-se, afinal, que só o corpo é imortal, em filhos, vermes, parasitas, amebas, plantas, carbono, carbono, mais carbono, se renova, infinitamente, em tudo, menos em sonho, monopólio da alma, eterna em sua finitude arrogante de Ícaro batendo suas asas líquidas rumo ao precipício incandescente da lembrança mais que fugaz.

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