O menino vê a formiguinha carregando uma folha para o formigueiro. Pega uma régua e coloca na frente dela. Distraída, ela sobe e nem percebe que o garoto virou a régua para o lado oposto.
Quando se dá conta que o formigueiro que estava tão perto sumiu de vista, o inseto, confiante, acelera o passo rumo ao desconhecido.
Mesmo perdida, é tão arrogante essa formiga, caminhando rápido e sem olhar para trás, pensa o moleque. Para dar uma lição nela, pega um copo d'água, abre a torneira apenas por um segundo e despeja um pouco do líquido no caminho dela. O inseto vê aquele mar à sua frente e quase morre afogado, mas contorna o obstáculo, agora cheio de cautela.
Anda devagar demais, é muito medrosa essa formiga, conclui o menino. Ele joga mais água, dessa vez, atrás dela. A formiga deixa a folhinha que carregava pra trás e acelera o passo, penando para não ser engolida por aquele tsunami.
Abatida, após escapar do perigo, ela para e descansa um pouco. Já não tem mais sua folhinha e a caminhada para o formigueiro se fez desnecessária. Inútil que é, melhor seria ficar por ali mesmo.
Uma porção de açúcar, despejada à frente dela, consegue reverter o estado de desânimo. Ela se esbalda de tanto comer e continua seu caminho. Após algum tempo, vê mais um oásis de açúcar. Mesmo carregando sobras do dulcíssimo banquete recente, se põe a comer de novo tão afoita que só percebe que está devorando sal quando começa a arder todinha.
Quase desiste de sua jornada de novo e o faria certamente se o menino não colocasse mais um montão de formiguinhas passando por ali, pertinho dela. Percebendo sua semelhante tão abatida, uma delas passa a carregá-la. A formiguinha se recupera e permanece no lombo da outra, sossegada, junto com um farelo de casca de pão. Fica tão acomodada que adormece e acaba num formigueiro desconhecido.
Só acorda prestes a virar o prato principal de um almoço promovido pela sua salvadora, que é interrompido porque um terremoto, causado pela pisada firme do pé descalço do moleque, destrói o insólito formigueiro canibal.
A formiga sai desorientada dos escombros e continua sua jornada, sem saber direito para onde está indo. O menino vai para casa e se esquece da formiga. Cresce. Um dia, desses difíceis e demorados, com um copo de cerveja quase quente na mão, sozinho em uma mesa de bar, descobre que, mesmo ainda sendo jovem e com tanto para viver, há muito deixou de ser aquele garoto. O menino existiu algum dia? Tinha apenas uma certeza: agora, ele é a formiga.
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