segunda-feira, 29 de junho de 2009
A batalha dos dedos contra os neurônios
Os dedos conspiram contra os neurônios, tinhosos que são. Não suportam uma grande ideia por saberem-se meros realizadores, incapazes de criar o que quer que seja. Cabe ao escritor domar seus dedos para que sirvam à mente feito cavalos puro sangue, ostensivamente adestrados, de trote suave e seguro. Para que a obra-prima não se desmanche no galope entre a cabeça e a tela do computador. Grandes ideias sem dedos obedientes são mantimentos apodrecendo dentro de contêineres num porto longínquo. Dedos bem educados, sem grandes ideias, viram carimbos de escritório de advocacia. Aleijados e excêntricos trocam seus dedos pelas cordas vocais, mas essas são tão conservadoras que suprimem o novo assim que convertem palavras em som. Sem o casamento obrigatório entre tão mortais inimigos, dedos e neurônios, não nasceriam a Bíblia nem Hamlet, Dom Quixote jamais conheceria Sancho Pança, Raskolnikov nunca mataria e remoeria em culpa, Gregor Samsa continuaria pisando nas baratas sem o menor remorso.
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