quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
A bagagem certa
Os dois itens, compactos, diga-se de passagem, vão contra a minha crença de dimunuir cada vez mais a bagagem. Na minha primeira longa viagem, fiz por merecer o nome dado a esse tipo de jornada, mochilão. Carregava comigo uma daquelas enormes mochilas de 60 litros, com dezenas de roupas e sabe-se lá mais o que. Dessa vez, vou levar apenas uma mochilinha pequena, dessas do dia-a-dia. Comigo, só a roupa suficiente para uma semana; quando estiver tudo sujo, acho uma lavanderia.
Fundamental é levar as roupas certas. Como vou enfrentar o inverno europeu, comprei calças e camisetas térmicas. O par de calças lembra aqueles mijões que botam nos bebês, feio que dói, mas custou o equivalente a 8 reais e parece ser eficaz. Só espero que meus tênis deem conta do recado na hora de enfrentar a neve. Caso contrário, terei de comprar botas.
Fora isso, levo sempre comigo um ou dois livros, caderno de anotações e câmera fotográfica. Espero ter muito que registrar, saindo de Roma para Florença e seguindo de lá para Veneza, Viena, Budapeste, Bratislava e Praga.
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
A Europa em cinco quadros
As Meninas, de Picasso - Museu Picasso, Barcelona
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Cara de brasileiro
Falando em metrô, geralmente é lá que faço minhas constatações sociológicas. Dia desses, estava lá eu pensando em nada, e sentam duas japonesas na minha frente. Algo estranho com elas, parecia que as conhecia de algum lugar. Sei não, pensei. Até que as duas abriram a boca e começaram a fofocar em brasileiro ("... porque fulana... fulana é uma vaca!").
A partir daquele dia, toda a vez que tinha essa sensação, essa coisa de achar que conheço aquela pessoa de algum lugar, só espero a hora de ouvir a pessoa começar a falar português. Tenho comigo uma explicação científica que me veio sem nenhuma análise científica, de que conseguimos reconhecer uma carga genética parecida com a nossa. Se você não acredita, pergunta pra qualquer brazuca que já tenha vivido no exterior.
Claro que há outros métodos de reconhecer brasileiros, como gente furando fila e com a camisa do Corinthians. Mas esses métodos não são 100% seguros, levando em consideração que se encontra gente com mau gosto futebolítico e metido a malandro em qualquer lugar do mundo. Na dúvida, porém, se vejo alguém furando a fila já desato a falar as maiores barbaridades em português. Uma vez, na fila pra entrar na Catedral de Notre Dame, um sujeito com o filho entrou na minha frente. "Olha que vagabundo, com o filho do lado e furando fila", comecei a dizer. O sujeito olhou para minha cara e não disse nada, seguiu em frente. Mas não precisava dizer nada mesmo, porque eu vi, tinha cara de brasileiro.
Estranho que resolvi escrever isso tudo por causa de um cachorro, hoje de manhã. Se tem outra coisa que a gente reconhece na hora, além de brasileiro, é cachorro com más intenções. Estava eu em um parque, fazendo fotos da neve, novidade para qualquer ser tropical pela primeira vez na Europa, quando o pittbull passou me olhando. Eu fingi não ligar, olhei pra outro lado, mas comecei a me preparar pra correr. O cachorro, fingido, foi para o outro lado, deu umas voltas, esperou o dono olhar para o lado e disparou na minha direção. Eu, que não sou idiota, disparei na direção contrária. O dono do cachorro, vendo a cena, chamou a atenção do animal, que abortou a missão. Olhei na direção do sujeito, para ver se ele fazia algum sinal, algum pedido de desculpas. Nada. Ele estava entretido demais gritando com o cachorro. "Que merda é essa! Que merda é essa!", vociferava o sujeito para o animal, em português.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Crônicas londrinas - o garçom e o popstar
Após mais de duas horas com guardanapo e taças na mão, aparece o gerente do hotel correndo. "Follow me, guys, quick", disse. Eu e a moça que estava comigo, da Etiópia, saímos em disparada atrás dele, que continuou passando as instruções. "Surgiu uma função para duas pessoas essa noite. Um dos convidados é bastante famoso. Vocês conhecem George Michael?"
A minha colega de trabalho começou a dar gritinhos nervosos, enquanto eu pensava que estava prestes a entrar para o seleto mundo dos criados de superstars. "Vocês só tem que abrir a porta, oferecer para pegar o casaco dele e servir canapés." E eu me pus a pensar se conseguiria eu fazer algo errado na concretização de tal tarefa e, fato inédito, não encontrei nada.
Claro que comemorei antes da hora. Os amigos de George Michael chegaram e, na hora de abrir a porta, empurrei para o lado errado. Meu gerente, que estava por perto, me corrigiu. "Sempre puxe a porta, não empurre", disse ele, uma das poucas criaturas educadas que conheci no mundo dos feitores de hotéis. Então, depois disso, me postei lá, feito um soldado, esperando o popstar mais conhecido por fazer sexo em lugares públicos e dirigir alcoolizado que por suas músicas.
Estava satisfeito porque, afinal, teria mais uma história para escrever aqui. Talvez, um texto estilo Piauí: "Vestindo um aveludado casaco Calvin Klein, na altura dos joelhos, George Michael chegou ofegante. Numa mistura de sorriso e careta, difíceis de distinguir por conta da barba desenhada, que lhe dá um ar caricatural, o cantor inglês sussurou um obrigado antes de se desfazer do casaco sobre o criado parado ao seu lado". Ou, quem sabe?, algo mais direto, feito Folha de S. Paulo. "O cantor britânico George Michael, 54, chegou ao hotel X, em Mayfair, Zona Central de Londres, por volta das 8h da noite de ontem. O objetivo da visita era se encontrar com produtores do seu novo disco, Nasci de novo depois da cadeia."
Duas horas depois, parado de um lado da porta, enquanto minha colega estava do outro, percebi que não seria aquela noite que daria tal upgrade na minha carreira na indústria dos serviços de hotelaria. Olhávamos entediados um para a cara do outro. O gerente passou apressado e disse: "Ele não vem. Podem voltar a polir os copos lá em cima". Àquela altura, subimos aliviados, cansados da longa espera, especulando sobre onde poderia estar o cantor. Preso? Em algum acidente de trânsito? Fazendo sexo em um banheiro público? Seja o que for, os jornais não noticiaram nada no dia seguinte.
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
A crise na Europa e o jeitinho lusitano
Mas onde entra a crise? No fato de que não só brasileiros, indianos, chineses, africanos, tailandeses e outros imigrantes de países em desenvolvimento estão entre meus colegas de trabalho como garçom, para ganhar seis libras por hora. Também há, cada vez mais, europeus. Gente que fez faculdade, mas está desempregada em seus países. Ontem mesmo, trabalhei com um italiano da cidade de Peruja. Na semana passada, com duas espanholas das Ilhas Canárias. Na outra, uma francesa. Será possível saber que a coisa está afundando de vez quando eu começar a encontrar suíços, alemães ou pessoas de Andorra e de Luxemburgo carregando bandejas.
Tomando uma cerveja em Bricklane, uma espécie de rua Augusta daqui, encontrei João, 43 anos, um sujeito inteligente e bom de papo, que parecia estar feliz por falar a própria língua com alguém. Português, ele já trabalhou em construções e em cozinhas no Reino Unido. Cansou de tudo isso, foi morar numa invasão e espera chegar o benefício do governo. Quer viver às custas da rainha, disse o simpático malandro, enquanto tomávamos umas cervejas pra aquecer uma noite que devia estar pelos seus 3, 4 graus.
Durante o papo, ele botou para correr um mendigo que veio pedir um trago, mostrando sua credencial para vender uma revista beneficente, feita para sustentar os homeless. Perguntei para ele se nunca nenhum inglês demonstrou sinais de xenofobia contra ele. Rapidamente, me vi com um pedaço de ferro sobre o meu pescoço, sem ter como me mover. "Nesses casos, eu digo pra eles: 'Ou você me trata como um ser humano ou...'", disse João, com um sorriso no rosto e colocando de volta o pedaço de ferro em sua mochila. Depois de conhecê-lo, passei a ter certeza de que, assim como os sonhos de padaria e a bacalhoada, o jeitinho brasileiro é um produto importado.
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Crônicas londrinas - Operação Elephant and Castle
Eu e meu futuro parceiro de quarto, o jornalista, garçom tarimbado e galã de novela mexicana, Talis Maurício, seguimos para verificar a casa que eu havia encontrado em um site daqui, uma espécie de Primeira Mão sem aquela maçã nem aquela argentina dos comerciais. Não querendo ser indiscreto, mas o caminho entre a estação de metrô e a casa assustou meu companheiro de jornada. Não sei o que alarmou tão bravo homem foi o grasnado de algum corvo, há muito deles por aqui, ou paisagem lúgrube, tomada pelo fog londrino. O apartamento ficava dentro de um condomínio de prédios de aspecto meio tenebroso. Nos perdemos lá dentro e, quando pensávamos em desistir, ouvimos uma voz. Era um vulto, sobre uma espécie de passarela, quem gritava.
— Ei, quem vocês estão procurando?
— Estamos procurando uma casa?
— Quem vocês estão procurando?
— Loyd, o dono da casa.
Subimos as escadas para encontrar um sujeito alto, negro e vestindo um roupão e uma boa quantidade de jóias, tragando demoradamente seu cigarro. Apesar de o cara parecer um gangster, nós seguimos em frente. Junto com duas garotas que apareceram na última hora para ver o mesmo apartamento, fomos levamos para um labiríntico muquifo. A porta se abria direto para uma escada e, diferente do que estamos acostumados no Brasil, havia mais mais dois pavimentos para baixo. Quatro quartos, dois banheiros, chão rangindo, senhorio assustador e aluguel barato. As duas garotas zarparam de lá rapidinho.
Ao sair, apesar de todos os CONTRAS, olhamos ao mesmo tempo um para a cara do outro e dissemos: “Vamos morar aí?” O principal motivo da nossa tresloucada decisão foi que todos os outros três caras que morariam com a gente nasceram falando inglês, o que nos ajudaria muito na prática diária da língua. Fomos rápidos e, no dia seguinte, voltamos para pagar o depósito ao landlord (termo que usam aqui para definir o cara que aluga uma casa para você e é responsável pelos problemas que acontecerem nela, no nosso caso, como veríamos, só o cara que recebe o aluguel). Sim, lá estava ele, Loyd, com o meeeesssmo roupão, um cigarro na boca e fazendo cara de mau. Do meio de um montão de dinheiro que guardava no bolso, tirou um recibo, que nos deu pelas 200 libras de depósito. Com a grana no bolso, limitou-se a responder todos os nossos pedidos com um sorriso sacana no rosto e a frase: “It’s not my business”. O bordão se repetia mesmo quando o pedido era simples, como “você pode nos dar uma chave extra?”. Sim, ele era mau, muito mau.
Aluguel aqui é adiantado e, antes de passar a morar no nosso palácio, tínhamos de pagar o nosso. Um dia, mandei uma mensagem para Loyd marcando um horário para pagá-lo. Minutos depois, ele me liga.
— Você me ligou?
— Loyd, aqui é o Artur, que vai morar na sua casa...
— Casa? Não tenho nenhuma casa e não conheço nenhum Artur.
— Como não? Mas eu te paguei o depósito!
— Depósito?
— É...
— Hahahaha! Eu te assustei, né?
Filho da puta. Sim, quando fui pagá-lo, ele estava vestindo um roupão. Não mais o branco encardido das outras vezes, mas um roxo. Me deu um recibo e, só para me encher o saco, como se eu não existisse, botou o nome do Talis, que não estava presente, no papel. Pensei em quebrar a cara dele, mas mudei de ideia rapidamente, só para evitar a fadiga do combate.
Alguns dias depois, estávamos em nossa nova casa, que se revelou mais acolhedora do que pensávamos. Dividimos o apê com dois universitários, acho que um deles sulafricano, ou os dois, não sei, porque eles passam o dia inteiro ouvindo rap e jogando videogame em seus quartos. O outro morador, um inglês de meia idade, que já morou em metade do mundo trabalhando como gerente de hotéis, se revelou uma companhia bastante agradável, cheia de histórias para contar. Ah, claro. Não posso esquecer delas, as baratas. Não serei injusto a ponto de dizer que elas infestam a casa. Elas têm mesmo uma preferência especial por um cantinho, uma área onde se sentem à vontade: o armário onde guardamos nossas comidas. Mas, como diria o mano Darwin, naquele rap famoso, a Origem das Espécies, só sobrevive quem se adapta ao meio.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
O caminho da ficção
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Barcelona
Cidade ensolarada quando a Europa começa a congelar, salpicada pela mágica de Gaudí, confeiteiro da arquitetura, que parece usar chantilly e jujubas nas suas construções. A Casa Batlló é o mais comestível de todos os edifícios que já conheci. O arquiteto também era especialista em disfarces... ou sou o único a achar que a Sagrada Família é uma nave espacial disfarçada de igreja?
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
O nobre e a paisagem
Passando por Richmond Hill, uma paisagem linda, que mostra o Rio Tâmisa e toda a cidade de Londres, fiquei intrigado com uma plaquinha explicativa bem discreta. O texto dizia que aquela paisagem era mundialmente famosa e que só havia sido preservada graças à iniciativa de um nobre do século 19. Diante da especulação imobiliária, que transformava todos os campos em novas construções, impulsionadas pela revolução industrial, o tal nobre simplesmente comprou a área toda só para preservar aquela visão da qual ele tanto gostava. Hoje, a área faz parte de um dos maiores e mais bonitos parques de Londres (onde não faltam enormes e bonitos parques). Fico pensando como seria bom se os ricos brasileiros pensassem desse jeito, mostrando que certas coisas não têm preço, em vez de seguir apenas as ordens ditadas pelo bolso. Mas, claro, obviamente isso tudo soaria pueril aos ouvidos deles.
domingo, 24 de outubro de 2010
Considerações desconsideráveis
terça-feira, 19 de outubro de 2010
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Para os manos daqui, para os manos de lá
East é o lugar dos imigrantes desde a idade média, uma Cohab medieval. Primeiro, vieram os tais dos huguenotes, fugindo da perseguição religiosa, depois isso aqui se encheu de judeus, indianos, uma galera de Bangladesh (quem nasce lá é...), jamaicanos e, claro, uns brasileiros feito eu. Pelo censo, só 37% da população é formada pela categoria denominada "branco britânico". Por isso que eu digo, meu bairro é dos manos, dos muçulmanos (e das muçulminas também, aquelas que escondem toda a sua graça debaixo das burkas).
Depois de funcionar como uma espécie de fazenda de Londres, fornecendo vegetais para metrópole, o lado leste da cidade acabou virando um depósito de famintos falantes de todas as línguas. No século 19, aproveitando-se da quantidade de indigentes pelas ruas, Jack, O Estripador (aqui, The Ripper), começou a atacar na região de Whitechapel, aqui do lado de casa. Matou cinco e nunca foi pego, tornando-se o serial killer mais famoso de todos os tempos.
O metrô mais perto de casa, Bethnal Green, foi cenário da maior catástrofe coletiva da Inglaterra, quando 173 pessoas morreram esmagadas lá dentro. A confusão começou porque os metrôs eram usados como bunkers, esconderijos úteis durante o tempo em que os bombardeios de Hitler eram mais frequentes do que a chuva londrina. Metade do bairro foi destruída durante esses ataques, mas sobraram ainda muitos predinhos centenários feitos de tijolinhos vermelhos. É interessante ver como a história vai se ajeitando onde dá. Uma das igrejas do bairro, Bow Church, foi parcialmente destruída. Reconstruída, é possível notar a metade antiga e a recente, tanto pelas diferenças arquitetônicas como pelas marcas do tempo mais evidentes em um dos lados.
Meu minha casa, postcode E3 2QY, fica no bairro de Bow. Aqui, será o cenário das próximas Olimpíadas. Da janela do ônibus número 8 consigo ver o estádio enorme em construção. Ao lado de casa, tem o centenário mercado da Roman Road Market, onde posso comprar uma calça Levis usada por 8 libras ou meio litro da sagrada Guinness de cada dia por uma libra. Andando por lá, dá pra notar uma verdadeira integração de raças. Acessíveis, as ruas daqui se enchem de velhinhos em cadeiras de rodas elétricas e mães com bebês. Desconfio que alguns usem essas cadeiras de rodas mais por conveniência que por necessidade, caso contrário teria de dizer que esse país está mal das pernas, dada o congestionamento de veículos do tipo pela rua.
Os negócios na Roman Road são todos de família. Tem uma peixaria que representa bem isso, onde três gerações trabalham juntas. Os três, provavelmente de origem turca, são parecidíssimos e ostentam o mesmo bigodom. Apesar de haver muitas peixarias, muitos supermercados e lojas indianas que vendem tudo que é tranqueira, o principal negócio por aqui são as casas de aposta. São pelo menos umas oito ao longo de um trecho de rua que não ultrapassa cem metros. Os caras apostam em tudo: cricket, golf, rugby, futebol e até em tênis de mesa. Em inglês, jogar apostando é gambling. Todo jogador mira o jackpot, que é o prêmio principal. Eu vivo alheio a esse mundo cheio de cifras, já que jamais perderia uma Guinnezinha que fosse jogando.
A minha casa, descobri depois, também tem história. Hoje, uma respeitável residência estudantil, onde vivem empilhados nove estudantes, já foi um ponto de tráfico de drogas. Os moradores chegaram a incendiar a casa, parcialmente feita em madeira, ao final de uma festa. Assim como o bairro ostensivamente atacado por Hitler, a casa sobreviveu, mostrando que é ZL de verdade e que as outras zonas só servem para completar o espaço que resta na bússola.
PS. E não, claro que não sou bairrista, esse texto nada mais é do que uma tentativa revisionista de colocar os ponteiros nos seus devidos lugares, depois de tantos e tantos anos de privilégios ao Norte entre os pontos cardeais.
domingo, 3 de outubro de 2010
A vida estranha no East End
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
terça-feira, 21 de setembro de 2010
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
Ruuuuuush
Não, não vou ficar escrevendo em inglês aqui não. Essa foi só pra praticar, enquanto não dá a hora de pegar o ônibus. Não sei o que esperar os próximos quatro dias. A única coisa da qual tenho certeza é que, em Amsterdã, não vou fazer nada que seja ilegal, nadinha de nada, mesmo porque difícil é achar alguma coisa que seja ilegal por lá. Dizem que matar os outros não é muito bem-visto.
É isso aí. Fui.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Childhood refound
Tamanha interação entre fantasia e realidade dá um ar onírico a essa viagem, me faz mergulhar na mesma atmosfera que torna mais intensos os prazeres dos sonhos e também os horrores dos pesadelos, o que felizmente varre para longe qualquer meio-termo que insista em povoar a minha vida.
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Crônicas londrinas: a primeira noite de trabalho
É minha primeira noite de trabalho, num hotel perto da Oxford Street, numa área chique de Londres. Coincidentemente, trata-se de uma festa brasileira, aparentemente um oba-oba do cinema bancado pelo BNDES. Apesar do luxo do hotel, os convidados nada têm de glamourosos. Até os mais cheios de pose enchem as mãos quando eu me aproximo com a bandeja cheia de "smoked salmon with mango sauce". Um sujeito parecido com o Jean Paul Sartre deve ter comido uns 40 canapés, sempre ignorando os guardanapos que lhe estendo.
No staff, alguns brasileiros, um indiano e vários lituanos. O gerente inglês parece ser um cara legal, sempre absorvido pelo trabalho e querendo ajudar. É ele quem aparece feito um raio para recolher os cacos de vidro quando, estreando novamente, deixo um prato cair no chão, no fim da festa. Ninguém me dá nenhuma bronca e, demonstrando simpatia, outros garçons me contam de quando deixaram cair taças cheias de vinho nos vestidos das madames. Eu não estou nem um pouco preocupado, já que o garçom é uma espécie de avatar de mim mesmo aqui e, portanto, a menos que alguém me belisque e me faça acordar, olho para tudo isso com a curiosidade e o desprendimento de quem está a passeio no corpo de outra pessoa.
Provo a comida estimulado pelos colegas que, no elevador, no trajeto entre a cozinha e o salão, aproveitam para matar a fome. "Help yourself", eles dizem. Salmão, atum, cogumelo, presunto de parma, coisa de primeira, tudo muito bem feito por um chefe francês que fala um inglês quase incompreensível. Trata-se de um sujeito extremamente performático, parecido com aqueles chefes de cozinha dos reality shows da TV a cabo, que pontua todos os seus pedidos aos cozinheiros com um "give me a fucking " qualquer coisa. Vendo que eu assistia a cena com curiosidade, o cozinheiro dá uma piscada para mim. A menos que fosse uma cantada, me parece que o se trata de um sinal de que ele encara tudo isso da mesma forma que eu.
Saio por volta da meia-noite e, graças aos brasileiros que não quiseram ir embora da festa logo, perdi o metrô. Espero cerca de uma hora pelo ônibus noturno na Oxford Street e, quando ele chega, sento ao lado de um indiano que insiste em deitar a cabeça no meu ombro. Demora uma meia hora para eu chegar até Bethnal Green, onde moro. (Com o tempo, fui descobrindo que meu bairro é considerado periferia aqui, apesar de ficar bem perto do centro. Pelas ruas, vejo dezenas de imigrantes de todos os países, desde mulheres de burka a homens usando estranhos turbantes. Apesar de supostamente ser um bairro pobre, aqui as casas são bonitas, as ruas são limpas, o sistema de transporte funciona e há vários espaços de lazer, incluindo o bonito Victoria Park. Logo, não tive nenhum problema para me adaptar a tamanha pobreza.) Levanto aliviado ao ouvir a voz que anuncia as paradas dizer: "Next stop is Roman Road Market". Intimamente, me pego desejando que o indiano dorminhoco passe do seu ponto, só para aprender a ser menos espaçoso. Ele está no quinto sono e se apodera de todo o assento.
Acordei tarde hoje, tomei um café com um nescafé genérico daqui e me preparo para sair rumo à escola de inglês. Enquanto escrevo, sentado na mesa da cozinha de casa, ouço no rádio um longo debate sobre o caso de infidelidade do astro do futebol inglês, Wayne Rooney, na LBC Radio. Pelo que compreendi, alguns ingleses culpam a apagada performance do atacante na Copa do Mundo ao medo de que a mulher dele descobrisse que fora traída, durante a gravidez, com uma prostituta de luxo. O noticiário cheio de fofocas é até interessante, o problema é que quase ninguém fala sobre a greve do metrô. Vou ter que descobrir agora, na rua, a extensão da paralisação. Em breve, volto com novas crônicas londrinas.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
The red dusk
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
London, London
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Quase lá
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Eu algum, em todos os tempos
domingo, 8 de agosto de 2010
O salto
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Sempre
mesmo quando tudo está OK
Às vezes, parece que ela está lá antes de mim
Nos dias em que minha alma é um céu azul
aquela casquinha nojenta cresce sobre ela
e eu quase esqueço de tudo
Mas as nuvens são tantas
É impossível fugir das nuvens
Então meu peito se enche de sombras
e a chama gelada começa a crepitar
domingo, 11 de julho de 2010
Trecho de livro (recém-iniciado)
Eu chego em casa bêbado e releio Kafka, releio Kafka, releio Kafka. Sinto-me um personagem de Kafka, preso a um jornal cujo apelido é “moedor de carne”, que joga um cadáver de criança todos os dias no meu colo e me obriga a fazer salsichas com com ele. Uma menina, que não serviria para ser personagem de Kafka, cansou daquela merda e pulou do oitavo andar. Dizem que ela trabalhou até umas duas da manhã, numa sexta-feira. Foi uma das últimas a ficar na redação. Comeu pizza com o pessoal e fumou um cigarro. Comentou com alguém que se sentia mais confortável sem sapatos. “Vou tirar os sapatos, vou ficar descalça só um pouquinho que não agüento mais usar sapatos.” Quando ninguém estava olhando, ela pulou. Caiu em cima de um táxi. Por pouco não matou o taxista, que estava sentado no capô. Os motoristas do jornal que tavam de bobeira na rua àquela hora disseram que o carro ficou destruído. Uma menina magrinha, bonitinha, que eu dei uns beijos uma vez, numa dessas noites de bebedeira, quase dividiu um carro no meio. Ela era tão magrinha, beijava bem, mas era meio sem graça. Não dava perceber a tempestade que chovia dentro dela. Às vezes, eu olho pelas janelas. Apenas aquela garoa chata dentro de mim. Não o suficiente para rachar outro táxi no meio.
sexta-feira, 9 de julho de 2010
O gosto da lembrança
Lembrei disso agora porque, meio sem perceber, botei Chico Buarque pra ouvir. E se tem alguma coisa que me faz bem nessa vida é ouvir de novo e de novo um montão de músicas de Chico Buarque, que canta na minha cabeça desde que eu era menino e gritava "joga BOSTA na Geni, joga MERDA na Geni", aproveitando-me da oportunidade para gritar palavrão na frente dos pais.
Música do Chico Buarque é, para mim, feito comida de mãe. É aquele tipo de coisa que, quando a gente não encontra nada de bom na vida, sempre vem pra nos contrariar. Sim, tem Chico, comida de mãe e os livros. É, eu que tanto tento escrever, tanto peno pra escrever, tanto desisto de escrever, sou bom de verdade é como leitor. Com um livro na mão, eu esqueço do mundo e descanso de mim mesmo, da voz que fala sem parar dentro da minha cabeça, cheia de exigências e recriminações, vontades, sonhos, lamentos, mentiras. Melhor ainda é quando cai nas mãos aquele livro que a gente não consegue mais parar de ler, nos obrigando a entrar pela madrugada, conscientes do preço de passar o dia seguinte feito um zumbi de tanto sono.
Outra coisa que eu gostava, assim desse jeito, era fazer gol. Depois de muito tempo sem jogar bola, um mês atrás participei de uma pelada. E fiz o meu. Minha participação, em meio à molecada muito mais rápida e em forma que eu, acabou por aí. Resfolegando, pedi para terminar o jogo como goleiro, mas com a altivez do artilheiro que cumpriu seu ofício.
Nessa vida de adulto, às vezes, a gente se pega não gostando de nada. Chegamos a entender aqueles velhos encarquilhados, que acham que já viveram demais, cansados demais para querer qualquer coisa, com preguiça até de coçar o nariz. Outros, porém, contrariando a natureza, vivem um tempão sem um pingo de saúde, só por gostar. Gostar da mulher com quem se está casado há 60 anos, da criação de pintassilgos, do jardim cheio de orquídeas geniosas ou do time de futebol. Gostar de algo, por menor que seja, é gostar da vida. Gosto de lembrar disso de vez em quando.
sábado, 3 de julho de 2010
O silêncio que ninguém nunca ouviu
terça-feira, 22 de junho de 2010
Talvez seja eu, talvez
quarta-feira, 16 de junho de 2010
A magia nas prateleiras
domingo, 6 de junho de 2010
A mulher dos olhos de abismo
Era uma velha dos cabelos cinzas e olhos negros. Segurava uma boneca com força. Enquanto olhava para mim com seu olhar malicioso, apertou a barriga da boneca, que soltou um grunhido de dor. Senti aquele ruído ecoar dolorosamente dentro de mim. Na minha cabeça, uma voz cantava: “A mulher dos olhos de abismo guarda a morte no peito. Esconde, sob trejeitos de carinho exagerado, a dor de ter nascido.”
E eu estava em queda livre. Não tenho ideia de quanto tempo durou. Eu estava vidrado nos olhos dela e, para minha surpresa de descrente, vi brotar uma reza da minha boca. A reza dos desesperados, dos que não têm mais nada, dos casos perdidos.
Coloquei meus óculos escuros, enquanto lágrimas umedeciam todo meu rosto. A velha, pela primeira vez, hesitou em olhar, esticando e recolhendo a cabeça várias vezes. A movimentação me lembrou a de um animal brincando com a caça, prestes a devorá-la, jogando a para o alto com a boca.
Desorientado, tentando desviar a atenção daquilo tudo, pego meu caderno e começo a rabiscar essas palavras. A luz se acende e o comissário de bordo anuncia o pouso próximo. Ela continua olhando para mim. Eu continuo escrevendo.
A velha se levanta e caminha em direção ao banheiro do avião. Dá alguns passos e desmaia. Sim: tomba bem no meio do corredor!
Aos poucos, vou recobrando as forças. Tenho vontade de levantar, ir até ela enche-la de chutes. Deixo de fazê-lo não por qualquer espécie de escrúpulo, mas por medo. Alguns levantam de suas poltronas e vão acudi-la. Repito em voz baixa: “puta, puta, puta, puta”.
A velha é colocada em uma poltrona onde não consigo vê-la. Está com duas mulheres, uma delas carregando a boneca. Aparentemente, são filhas dela. Não entendo bem a situação: fico imaginando pra que a porra da boneca. Não consigo chegar a uma conclusão. O que aconteceu, afinal?
O avião pousa. Fico sentado na minha poltrona, esperando que elas saiam do avião. Estou curioso e resolvo levantar para vê-las. As avisto de costa. Estão lá, as três, com seus brinquedos e malas. Gente comum, gente invisível, como todas as outras. A velha vai no meio, escorada. Some na turba do aeroporto. Respiro fundo, demoradamente. O abismo está nos olhos de quem, nos meus ou nos dela? Com os pés no chão, fica difícil saber.
terça-feira, 4 de maio de 2010
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Hiato
segunda-feira, 12 de abril de 2010
O cavaleiro do Poço da Panela
PS. Vejam a galeria de fotos que eu e Diana fizemos do Poço da Panela em http://picasaweb.google.com.br/artur.rodrigues/PocoDaPanelaPorDianaEArtur
sexta-feira, 9 de abril de 2010
A foto perdida e a briga do século
Esse dia não foi um dia comum. Não foi só um monte de adolescentes jogando futebol, bebendo refrigerante com cachaça vagabunda e procurando, em vão, conhecer alguma menina para depois contar vantagem sobre o que não fizeram. Foi muito mais que isso: esse foi o dia da briga do século. OK, houve brigas maiores, principalmente se incluirmos torcidas organizadas e as guerras mundiais nessa conta, mas foi a maior briga de que me lembro ter participado. (Eu, que nunca fui de brigas, eu, que na categoria individual tenho um cartel de duas lutas, com uma vitória e uma derrota, ressaltando que a vitória se deve principalmente a um tropeço do adversário em uma pedra.)
Alguns dos que estão na foto saíram para dar uma volta, procurando garotas. Sabendo que a ronda seria infrutífera, resolvi continuar a beber, provalemente, a minha pinga com groselha. Pois bem, os que saíram atrás de mulher acabaram encontrando confusão. Voltaram correndo para buscar ajuda e acharam um monte de bêbados prontos para trucidar o primeiro que aparecesse. Ali no meio, com meu cartel insignificante, segui a turba.
Éramos muito mais numerosos que nossos inimigos. Éramos muito mais barulhentos que eles. Éramos muito mais briguentos que eles. Pelo menos, os que estavam comigo eram. Um dos nossos entrou sozinho no ônibus dos caras e foi jogando os inimigos para fora. Outro grandalhão pegava os pobres coitados pelo pescoço e os esganava. Vendo tudo isso, eu me animei. Me achei na obrigação de participar daquele episódio de bravura e idiotice juvenil.
Depois disso, assisti a outras tantas brigas, algumas das quais com finais trágicos, com gente baleada, sangue no chão, mães chorando, mas não me meti em nenhuma delas. Pensando bem, talvez o principal culpado pelo meu pacifismo atual tenha sido aquele cotovelo. Aquele cotovelo anônimo me fez ver que nasci para ser testemunha, não protagonista das brigas. Pode ser que isso me renda menos glórias. Pode ser que elimine todas as minhas possibilidades de ser um Aquiles ou um Ulisses, um Hércules ou um Sansão, um Wolverine ou um... Mário Bros. Em compensação, causa muito menos hematomas. Hoje em dia, para mim, isso está mais do que bom.
quarta-feira, 31 de março de 2010
A despedida do rei
Continuarei sem nada pedir. Não receberei, porém, nada menos do que quero. A medida das coisas é a medida do meu desejo. É-me preferível o vazio à satisfação pela metade. Minha cabeça não processa metades. Não me lembro de me flagrar querendo tomar meia taça de vinho ou comer meio pedaço de pão. Admito que, em momentos de covardia, cheguei a agradecer metade como se fosse o dobro ou o triplo. Mas tenho a desculpa justa de poder chamar essas ocasiões de diplomacia.
Posso até lidar com os excessos, mesmo que seja encharcado por eles, mas perdi a paciência para a falta. Pois ela, a vida, que me cativou pelo exagero, passou a administrar-me, de repente, pelo regime da escassez. Caso a privação fosse temporária, ocasional, só serviria para ressaltar as benesses de um cotidiano marcado pela abundância. Agora, quando o muito só aparece na insustentabilidade do pouco, lembra uma cereja sem bolo, flutuando no ar sem razão alguma de existir.
Sou eu a cereja sem bolo. Ao ver a coroa separar-se da minha cabeça, depois de uma longa vida a serviço do povo, minha coroa levada pelas mãos sujas daqueles barbudos grosseiros, desses bárbaros travestidos de revolucionários, fico com mais pena dos meus súditos que de mim. Nesse momento de esperança, de ilusão, transfiguraram-se em mim. Cada um em sua choupana pensando: sou a nova majestade. Todos eles degustando lavagem com a arrogância de quem está prestes a se deliciar com lagosta e vinho. Não desconfiam, os pobrezinhos, que minha coroa só cabe em uma cabeça de cada vez; e só encaixa direito em uma, a minha, não importa quantos se achem donos dela.
Nesse catre, não tocarei em nenhuma comida que não tenha sido feita pelo meu cozinheiro e não beberei nenhuma bebida que não venha da minha adega. Estando meu cozinheiro preso e minha adega sendo violentada por paladares bárbaros, definharei de cabeça erguida, sem dar a eles o gosto de transformar minha queda em um espetáculo. O show será dado pelos próprios barbudos revolucionários, que matarão uns aos outros na tentativa de sentar no meu trono até não sobrar mais ninguém.
O contra-ataque dos meus cavaleiros, mais hora menos hora, deve chegar até aqui. Não pretendo esperá-los, porém, sob pena de perder meu tempo e dignidade. É bem provável que eles percam batalhas e acabem nas masmorras. Alguns podem acabar juntando-se ao inimigo, o que seria muito doloroso de se ver _ cavaleiros guerreando ao lado de soldados amadores?
A essa altura, a única coisa que aceitaria deles, mesmo que abaixo do meu nível de exigência, seria uma mulher. Não precisaria ser linda, bastaria que fosse jovem, limpa e que não fosse a rainha _ colocada em outra cela, no único gesto de hombridade por parte dos bárbaros. As câmeras por todos os lados tirariam a privacidade durante o ato, mas eles certamente aprenderiam alguma coisa vendo a cópula real. Não, por mais selvagens e despreparados que eles sejam, jamais me dariam essa oportunidade _ certamente o populacho ficaria impressionado com a minha performance e me levaria nos braços de volta ao trono! O que eles querem, acima de tudo, é o contrário: desmontar minha imagem pública, com o bisturi sempre eficaz das ilhas de edição. Quem sabe montar um filme mostrando minhas últimas horas de vida, minhas intimidades, meus momentos de fraqueza?
Se depender de mim, perderão seu tempo. Mesmo no único trono que me resta, trato de manter a compostura que nos diferencia. Ao fim de tudo, só me arrependo de não viver o suficiente para ver no que eles se transformarão. Vira-latas com jubas de leão, talvez? Pastiches de rei, com roupas de soldados? Tivesse a companhia de um dos meus magos, poderia ver o futuro em qualquer talher de prata. Mas queimaram-me os feiticeiros e roubaram-me a prata, portanto, resta-me apenas a imaginação para rir deles durante tempo que ainda tenho.
segunda-feira, 29 de março de 2010
Nós, os hamsters e a rat race
sábado, 27 de março de 2010
Reset mental
terça-feira, 9 de março de 2010
Duas rodas e a cidade em extinção
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Um folião paulistano no Carnaval de Pernambuco
A rua é como se fosse o salão de festas, todo decorado. O bolo, aqui no Recife, é um galo enooorme, no meio da ponte Duarte Coelho, sobre o Rio Capibaribe. Ninguém come o galo, mas não faltam galinhas para quem gosta...
O espírito está por toda parte, por Pernambuco todo. Mas se o Carnaval tivesse um endereço certamente ele seria o Sítio Histórico de Olinda. Sempre me perguntei por que os portugueses resolveram construir uma cidade num lugar tão alto, cheio de ladeiras. Dá trabalho pra ir na padaria, no mercado, imagina voltar para casa bêbado com tanta subida pra subir... Pois é, descobri que Olinda foi criada para o Carnaval. E que ladeira, ao som do frevo e com um latona gelada de cerveja na mão, vira descida. Eu, um notório preguiçoso, subi várias vezes a mais cruel das subidas, a Ladeira da Misericórdia, como se estivesse flutuando.
Seria muito dizer que a gravidade desaparece no Carnaval de Olinda? Não. Tanto que me pendurei em um dragão voador, o mascote do bloco Acho é Pouco, criado por comunistas doidões na época da Ditadura e hoje administrado só pelos doidões mesmo. O bordão do bloco é "Eu acho é pouco! É bom de mais! Eu acho é pouco! É bom demais", cantado na noite de terça-feira, poucas horas antes da tal "quarta-feira ingrata, chega tão depressa, só pra contrariar..."
Pois é, estava esquecendo do melhor: em Olinda, axé music é proibido. Quer dizer, é proibido passar com trio elétrico, o que de qualquer maneira afasta os cantores de axé. O frevo, que todo mundo canta no Carnaval, é uma música muito antiga. Parece que ninguém mais faz frevo e, se faz, ninguém canta antes de a composição fazer 50 anos. É que nem vinho bom...
Ahhh, não tem abadá, aquela camiseta que custa 300 reais na Bahia. Aqui, as pessoas pensam o ano todo nas fantasias que vão fazer. Eu, paulista que deixa tudo para a última hora, não pensei. Peguei uma roupa amarela, umas caixas de Sedex e me fantasiei de Sedex 10, só para não passar vergonha. Mas tem gente com fantasias geniais pela rua. No domingo, sai o bloco Enquanto Isso Na Sala de Justiça, em que todo mundo se veste de super-herói. Tem desde X-Men a gente que inventa outros heróis, como supermercado, superficial, superado...
Tem esses blocos tradicionais, mas tradição não é quesito desclassificatório no Carnaval de rua. Teve um sujeito que foi trocar a porta de casa durante o Carnaval. No trajeto para levar a porta nova, ganhou um montão de seguidores. Virou um bloco, chamado A Porta. Tem orquestra, estandarte e dezenas de adeptos que saem juntos há mais de 10 anos.
No jornal em que trabalho, é proibido usar a palavra irreverência nas matérias sobre o Carnaval, desgastada pelo uso incessante em TODAS as matérias nos anos anteriores. Mas, devo admitir, que é a palavra perfeita para definir esse espírito. No ano que vem tem mais irreverência. Agora, o jeito é se conformar com as festas pós-carnavalescas que ainda restam. Me disseram que uma delas se chama Não Acredito Que Te Beijei.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
A prostituta dos sentimentos
Pois é, pois é. Às 19h de anteontem, eu, com baterias de fogos de ódio estourando no meu cérebro, daquelas que levam alguém a atropelar velhinhas que atravessam a rua vagarosamente, peguei minha bicicleta e saí por aí. Rodei por alguns quilômetros. Andei pelas nostálgicas paragens do Poço da Panela e Apipucos (digite no Gooogle Images, please). Chacoalhei pelo chão de paralelepípedos. A cada pedalada, lá estava ela, a Dopamina, sendo bombeada para o meu cérebro saudoso-de-nicotina-açúcar-pão-chocolate-purê-de-batata-arroz-gororoba-com-tudo-misturado. Horas depois, quilômetros mais tarde, lá estava eu, satisfeito, sem motivo algum. Ou satisfeito por enxergar em miniatura os mesmos motivos que me faziam chorar. Ou por visualizar de maneira mais nítida as razões que antes eram microscópicas demais para me fazer sorrir.
Isso me leva à seguinte questão: o que pensamos, vivemos, sentimos, o que acontece com a gente, a sorte ou azar têm alguma importância, sem Ela, a Dopamina? Um sujeito que tem tudo na vida, com um déficit Dela, é mais feliz que outro, miserável em saúde, amigos, grana, rico apenas na quantidade de Dopamina circulando pelo cérebro? Se uma substância química (mal e porcamente produzida pelo nosso corpo) é o segredo da felicidade, nossa percepção do mundo é muito mais maleável do que jamais sonhei. Diante dessa (ir)realidade, a felicidade nada mais é que a prostituta dos sentimentos, a mais volúvel das guloseimas.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
O Galo
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Nuvens, cantem o barulho da chuva
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
À deriva
domingo, 17 de janeiro de 2010
Psicografia
Idéia nenhuma. Idéia nenhuma passa pela minha mente. É só um poço, cheio de ecos e estampidos de memórias. Sonhos que pedem socorro, amordaçados, eles parecem ridículos, ridículos. E aqui estou psicografando, psicografando esse vazio que só pode vir do além. Dramas longínquos cospem desaforos na minha cara. E eu escrevo a lápis, a lápis.
Acendo dezenas de cigarros e sinto o meu pulmão se esvaindo e o acendo também. Acendo uma tocha e boto fogo na casa e saio apagando as faíscas só pra passar o tempo.
Eu espero por ele. Sempre tenho que esperar. Mas ele nunca chega na hora, jamais. Diz que o tempo é muito diferente lá de onde vem. Diz tudo isso muito galantemente. De uma forma que faz toda essa minha impaciência parecer criancice. Me masturbo só pra passar o tempo também.
O melhor é ir até a cozinha e esquentar um café. Se ele vier agora terá de esperar, ou toma café comigo, ou nada feito. No ínfimo espaço de tempo em que coloco a água para esquentar, vejo minha vida passar sob uma trilha sonora de estalos até que me sinto esguio e poderoso, flutuando no gozo de alguém que não cheguei a conhecer. Eu tenho vontade de voar e o meu rabo rema vertiginosamente. Não posso controlar minha velocidade. Sou o mais rápido, não posso parar. Mas eles estão me alcançando, então eu volto, volto, volto, até uma caverna escura que acaba numa explosão. Meu visitante, certamente, tem noção do que é essa plenitude, a plenitude do big-bam, dos drive-ins, das coxias, dos cantos escuros.
Meu café ficou horrível.
Fico relendo os capítulos anteriores. Magníficos. Pena que dependo dele. Gostaria eu de poder fazer isso quando quisesse. Ligaria um interruptor no meu umbigo e escreveria as sentenças mais criativas e trama mais envolvente se encadearia sob custódia da irracionalidade dos meus dedos ágeis, que trotam irregulares pelo teclado do computador. Mas ele não usa computador. Só escreve a lápis. Não consigo, sinceramente, me conformar que um ser tão evoluído não tenha se acostumado com o computador.
Lembro que da primeira vez ele insistiu que eu comprasse uma pena e um tinteiro. E eu ainda não fazia idéia de como ele podia ser cabeça dura. Ainda estava pasmo com o abismo de possibilidades que ele me abriria com aquele gesto estranho que sempre faz. Uma coçada no nariz, sem o uso das mãos. Um cacoete deveras interessante, tenho que admitir. Ouço um barulho lá embaixo, mas não é ele. Ele chega sem barulho algum, sem o menor aviso, e envolve o ar com seu cheiro de eternidade. Sei que ele está perto, posso senti-lo. Então desço e vou preparar o seu jantar. A noite está gelada e os cachorros latem. Abro o quartinho dos fundos e acendo a luz. Dessa vez arrumei-lhe um belo jantar. Não há motivos para reclamações. Levanto aquele corpo amolecido e carrego-o nos ombros. Suas pálpebras piscam, mas sei que não vai acordar. Subo as escadas e coloco-o na cama - sinto sua presença no ar. As paredes mudam de cor. Minha mão coça para escrever. Meus nervos sabem muito bem, agora, o caminho para posteridade.
Como sempre, está muito bem vestido. Faz um sinal de aprovação ao olhar sua presa em cima da cama. Digo-lhe para retribuir em mais um capitulo fenomenal. Mas ele já está ocupado, devorando sua refeição. Come sem fazer barulho e chupa as entranhas com gosto. Rói cada osso e, como sempre, me espanto com o jeito com que enfia o fêmur pela garganta, feito um engolidor de espadas.
Encosta ao meu lado, lambendo os beiços finos, e elogia minha escolha, sem abrir a boca. Poderia explicar o trabalho que me deu, mas ele sabe, sabe de tudo. Posso sentir toda sua sabedoria quando coloca as mãos sobre meu ombro e eu começo a escrever vertiginosamente. Página após página é como se fosse o jorro inicial, como se ele tivesse o dom de arrebentar a comporta dos pensamentos do universo e todos estivessem ali, à minha disposição. As horas passam e eu vou me sentindo cada vez mais pleno e as páginas vão se empilhando à minha frente. Até que me sinto vazio, a comporta se fecha, e eu caio no choro, num choro de soluços desesperados, na abstinência de sua presença. Apago sobre as folhas, com lápis na mão, apago como se estivesse morto.
Acordo grogue, e sinto ânsia do cheiro acre que desprega do quarto. Minha cama desarrumada, meus pensamentos também, a tentação do suicídio na primeira mijada, o banho quente que parece lavar minha alma, se é que eu ainda tenho uma. As folhas empilhadas.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
AS BELAS DO TRÁFICO *
Traficantes nigerianos viram na jovem a chance de lucrar mais de 1.000% ao levar cinco quilos de pasta-base de cocaína do Brasil para a Itália. Mulheres bonitas, de classe média e sem envolvimento com o crime, como Georgeta, são alvos cada vez mais frequentes dos aliciadores, diz a polícia. “Os traficantes procuram pessoas acima de qualquer suspeita, de boa aparência, que não despertem desconfiança”, diz o delegado do Departamento de Repressão ao Narcotráfico (Denarc) da Polícia Civil Luiz Andrey.
“Foi a tentação que me trouxe até aqui”, conta a romena, em português quase perfeito, aprendido no Brasil. Por tentação, entenda-se a chance de ganhar 2 mil. Mesmo recebendo mesada da mãe que foi para a Itália trabalhar para pagar seus estudos, Georgeta arriscou. Viajou a Itália, São Paulo e só viu o mar da costa pernambucana pela janela do avião. Acabou presa pela Polícia Federal (PF) no Aeroporto Internacional do Recife, há oito meses.
Vestindo calça jeans justa, uma regata branca e maquiada, ela e outras duas reeducandas, como preferem ser chamadas, despertaram olhares de inveja – e até de cobiça – dentro da Colônia Penal Feminina do Recife, na última quarta-feira, durante sessão de fotos. “A gente já sofre tanto aqui dentro que se arruma só para mascarar a tristeza”, diz Georgeta, que tenta manter a beleza mesmo sem os cremes e xampus que enchiam a penteadeira de sua casa, em Suceava, na Romênia. A maior saudade, porém, não é dos cosméticos, mas da família. Mesmo ganhando pelo trabalho como secretária na colônia, Georgeta ainda recebe mesada da mãe.
Vestindo um curtíssimo vestido preto, A.C., 24, também faz da vaidade seu consolo. O salão de beleza da colônia dá conta da escova no cabelo e da pintura das unhas, que paga com o salário que ganha trabalhando na lanchonete, mas ela ainda sente falta da depilação. “Só tem o básico aqui”, diz a moça, que, por necessidade, trocou a cera quente pela gilete na prisão. Antes de ser presa pela PF com dois quilos de cocaína, a então aluna de pedagogia transportava a droga com a confiança de quem nunca havia sido parada pela polícia. “Acho que entrei nisso por causas das amizades. Era muito dinheiro”, justifica-se.
Patricinhas do tráfico, Georgeta e A. são exceções. Entre as detidas por esse tipo de crime, a maioria é pobre e tem na sua história um amor bandido. “Os criminosos, mesmo os assaltantes, passam a lidar com tráfico quando são presos. Isso porque quem vai correr o risco são terceiros, que muitas vezes são mulheres”, afirma o delegado Carlo Marcus Correia, da PF. Essa estratégia pode ter ajudado no aumento de 233% da população carcerária no Estado, que passou de 300, em 2002, para cerca de 1.000 este ano. Entre essas detentas, uma em cada seis foi detida por tráfico.
O livro Amor bandido - as teias afetivas que envolvem a mulher no tráfico, da professora da Universidade Federal de Alagoas Elaine Pimentel, confirma a tese. “Não é só uma questão econômica. As mulheres entram para o crime também por afeto, pelo homem que amam, pela família”, afirma. Ela revela que, ao traficar, há mulheres que acreditam não estar cometendo crime algum. “O discurso mais comum é: ‘Crime é matar e roubar. Vendo a minha droga, só compra quem quer’”, diz.
A história de Ana Paula Silva, 25, parece ter saltado do livro de Elaine. Ela apaixonou-se por um criminoso aos 14 anos. Acusado de assalto e homicídio, o marido passou só o primeiro dos 11 anos do casamento em liberdade. “Nunca quis abandoná-lo para não ser covarde. Não precisava do dinheiro, só queria ajudá-lo”, diz. Com dois filhos e uma década após o início do romance, foi presa no fim de 2009. “Escutas me flagraram falando com meu marido no telefone. Eu não traficava diretamente, só levava um telefone ali, fazia depósito bancário”, conta ela, hoje a padeira da colônia, que garante ter posto um fim no amor que a levou para trás das grades.